QUEERIZANDO ARACAJU
- Mateus Ferreira
- 17 de jun.
- 5 min de leitura
Num mapa estreito para corpos dissidentes, alguns espaços seguem vivos para receber a presença Queer na capital sergipana

O direito à cidade garante que todas as pessoas usufruam dos espaços e serviços que compõem a vida urbana. É um direito coletivo que inclui circular com segurança por praças, ruas e praias, independentemente de identidade de gênero, orientação sexual, raça ou classe social. Mas também é ter moradia digna, transporte, saúde, educação, lazer e oportunidades de participação cultural e social.
No entanto, no Brasil, diversas minorias sociais têm o seu direito à cidade cotidianamente violado. Dentre elas, pessoas da comunidade LGBTQIAPN+. De acordo com dados do Grupo Gay da Bahia (GGB), em 2024, foram registradas 291 mortes violentas de pessoas Queer no país, um aumento de 13,2% em relação a 2023, quando o relatório apontou 257 casos. De acordo com o documento, das 291 mortes, cerca de 36% aconteceram em ruas, estradas e outros espaços públicos.
Neste contexto, muitas pessoas Queer deixam de viver plenamente a cidade: evitam sair sozinhas, deixam de frequentar certos bairros e locais e se afastam de eventos públicos. Em Aracaju, a realidade local mostra a escassez de espaços seguros para pessoas da comunidade. Em abril deste ano, um casal trans foi agredido por seguranças do Boteco Hermes, após um homem trans tentar usar o banheiro masculino. O caso expõe como espaços de lazer podem representar riscos à integridade física e emocional dessa população.
Em pleno mês do orgulho LGBTQIAPN+, esta fotorreportagem apresenta alguns desses espaços que existem em Aracaju. Iniciativas que, mesmo em número reduzido, têm se consolidado como ambientes acolhedores e respeitosos para as pessoas da comunidade. São lugares que resistem à exclusão, e é por esses locais que clamamos, pois eles são a reexistência.
ONDE OS PROBLEMAS SE TRANSFORMAM EM MÚSICA

O Las Vegas Karaokê é uma boate que está localizada na zona sul da capital Sergipana, no bairro da Atalaia. O estabelecimento foi criado em setembro de 2017 e desde então, é conhecido por ter o público LGBTQIAPN+ como principal frequentador. Lá, as festas revezam entre aquelas promovidas pela própria organização da boate e as que são realizadas por outras produtoras.
Essa característica torna o ambiente um local versátil em relação ao público. Cada festa possui uma energia diferente e isso afeta no comportamento das pessoas. Nas festas pop, por exemplo, as pessoas costumam entregar looks bem elaborados, já nas festas de funk, o capricho é nas coreografias e dancinhas do Tik Tok.

Além de sets de DJs, as festas no Vegas costumam contar com apresentações de Drag Queens ao longo da noite. (fotos: Joseph Christopher)
Boa parte das festas que acontecem no local são temáticas e convidam o público a testar a criatividade para montar seus looks. (fotos: Joseph Christopher)
Para a comunidade Queer aracajuana, o Vegas assegura a segurança que não é encontrada nos demais espaços públicos para ser quem se é, sem amarras. (fotos: Joseph Christopher)
ONDE O SOL ENCONTRA A GENTE

A praia da Cinelândia está localizada na zona sul de Aracaju, no bairro Atalaia. Situada ao fim da passarela do caranguejo, a praia é um ponto de encontro para todas as tribos e recebeu esse nome devido a uma famosa sorveteria que existia lá há algumas décadas. A praia é palco do Circuito Sergipano de Surf, além de ser um local onde acontecem diversos eventos, como por exemplo, o projeto verão e o ano novo.
A Cinelândia tem como principais frequentadores pessoas da comunidade Queer e demais jovens. Com uma “vibe diferenciada”, é caracterizada por muitos como “um lugar sem preconceitos” e é o ponto de encontro de diversos grupos de amigos aos finais de semana. Lá, as pessoas fazem de tudo um pouco. Flertam, bebem, assistem ao pôr do sol, tomam banho de sol e mar, jogam vôlei, passeiam e curtem um som.
(fotos: Tatiane Macena, Vivian Rafaelli)
“Lá em São Paulo eu ainda vejo casais LGBTQIAPN+ andarem de mãos dadas. Já aqui, eu raramente vejo”, diz Nataly Angélica (esq.), namorada de Keyla Victória (dir). As duas costumam ir à Cinelândia pelo menos uma vez por mês desde que iniciaram o namoro. (fotos: Tatiane Macena)
A Cinelândia é a promessa de que um dia todos possam viver em harmonia. (fotos: Mateus Ferreira, Stéfane Miranda, Vivian Rafaelli).
ONDE A PERFORMANCE VAI ALÉM DOS CORPOS

A Ballroom é um movimento que mistura arte, política e dança. Ele surgiu em meados de 1970, no bairro de Nova York, nos Estados Unidos, e foi construído por pessoas trans e queer, negras e latinas, que eram na sua maioria, expulsas de casa. Uma ballroom é uma competição amigável entre as "Houses", ou "Casas", que são grupos estabelecidos como "famílias escolhidas". Hoje, a cena é conhecida mundialmente, principalmente após a popularização de programas como “POSE” e “Paris is burning”, e existem eventos pelo mundo todo, inclusive no Brasil.
Durante as balls, os filhos das houses são avaliados pelos jurades, que os avaliam com notas que vão até dez. (fotos: Joseph Christopher)
Em Aracaju, a cena surgiu há cerca de dois anos, após movimentações feitas pela performer, modelo e produtora sergipana Afrofutur1st DiBarro Garçon, que retornou de Nova York, onde conheceu o movimento. Foi Afrofutur1st quem fundou a casa DiBarro, a primeira house do estado. Desde então, já surgiram mais duas casas: a Mangue e a Rattura.
A primeira ball aconteceu em março de 2022, como desfecho do Projeto intitulado Recicla Ball, uma iniciativa de Afrofutur1st, que na época ganhou incentivo financeiro da Lei Aldir Blanc. Durante o projeto, que durou três dias, o público pôde assistir a oficinas, palestras, documentários e aulas sobre ballroom. Desde então, as competições vêm se estruturando e por ser algo novo, que envolve uma série de custos, ainda não existe uma frequência de realização devido a todas as etapas de produção.
Afrofutur1st (primeira à esq.) na primeira ball que foi realizada na cidade, a Recicla Ball. (fotos: Joseph Christopher)
Nas ballrooms, as casas competem em diferentes categorias, que podem ser desde figurinos e atitude, até de habilidades performáticas como o voguing. (fotos: Joseph Christopher)

ONDE TODO MUNDO SE ENCONTRA

A Parada LGBTQIAPN+ de Aracaju tem reunido nos últimos anos mais de 80 mil pessoas na Orla de Atalaia, que fica localizada na Zona Sul da capital. O evento, que possui um cunho político, traz todos os anos um tema baseado nas necessidades da população Queer para reivindicar a criação de mais políticas públicas voltadas para a comunidade.
O evento faz parte do calendário cultural da cidade e é considerada a maior manifestação de rua do estado, sendo realizada todos os anos no mês de agosto pela Associação de Travestis e Transgêneros de Aracaju (ASTRA LGBT), em parceria com diversas entidades que atuam na causa dos direitos das pessoas Queer, como a CasAmor, o coletivo Mães pela diversidade e o Levante Popular da Juventude.

A parada possui uma programação diversa, que vai desde campanhas de conscientização até a apresentação de artistas locais. (fotos: Joseph Christopher)
Na Parada conseguimos fazer a experimentação de como é de fato viver a cidade, com diversidade e segurança. (fotos: Joseph Christopher Mateus Ferreira)
Na parada, os gestos de afeto ganham um novo significado. (fotos: Mateus Ferreira)
Texto: Mateus Ferreira
Supervisão: Tatiane Macena
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