Mesmo após governo anunciar retorno gradual da água, a periferia não tem acesso ao recurso
- Tatiane Macena

- 17 de set.
- 4 min de leitura

Era quinta-feira à noite, eu havia terminado de lavar a louça e estava me organizando para o dia seguinte, quando, de repente, abri a torneira mais uma vez e a água tinha ido embora. Pensei: “faltou água mais uma vez, como é de praxe”. A falta d’água já não surpreende quem mora na periferia, na verdade, ela faz parte do nosso planejamento. Aqui, é comum a gente armazenar água.
Por aqui, temos sempre baldes, galões e tanques separados(vedados para que esses recipientes não proliferem doenças). Por aqui, muitos precisam acordar à procura de água, pois às vezes ela chega de madrugada e logo pela manhã vai embora. Por conviver com a falta e, não por sorte, eu mesma tinha bastante água armazenada, mesmo assim não foi o suficiente.
Nos últimos dias, não só a capital, mas as pessoas que vivem na região metropolitana puderam sentir o que a periferia passa com a constante falta de água. Durante cinco dias, que na cabeça do governador foram três, e na minha torneira quase uma semana, fomos um pouco mais iguais, não pela oferta, como desejamos, mas pela falta.
Já agora, quarta-feira, dias depois de o governo garantir que estava tudo normalizado e que a água retornaria gradativamente, nem sinal dela em minha torneira e na de tantos. Em algumas localidades, a água está chegando e indo embora, em algumas casas tem e em outras não. Na casa da minha mãe, a água chegou de madrugada e foi embora às cinco (como diversas vezes ocorre).
As atividades estão sendo feitas com cautela: é preciso escolher entre lavar a louça ou tomar banho. Cozinhar também se tornou mais difícil. Em algumas localidades, o carro pipa, o qual eles garantiram que abasteceria a comunidade nem apareceu (eu mesma estive em casa esses dias todos e não vi nenhum). Onde apareceram, havia ainda o problema das filas intermináveis, na qual não dava para esperar porque a vida não espera. A vida não para quando a água falta, principalmente quando ela falta na periferia.
O resultado é que algumas pessoas tiveram que ir trabalhar sem tomar banho, conhecidos me relataram banho de chuva antes de um compromisso, aí sim sorte (e benção da natureza que é mesmo incrível).
Aqui no Periféricos, já abordamos sobre essa questão de falta de água e outras dimensões do saneamento básico. Na ocasião, as pessoas ficaram quase um mês nessa “brincadeira” de ficar acordadas de madrugada para que pudessem armazenar água para poder seguir suas vidas.
Privatiza que melhora, eles disseram. Até hoje, não me entra na cabeça contratar uma empresa para distribuir a água que já vem tratada (sim, a Deso continua tratando a água para que a Iguá possa distribuir). O foco da empresa deveria ser então na distribuição, melhorar a entrega, mas o que ocorreu (como apontou reportagem da Mangue Jornalismo) foi a demissão de trabalhadores que faziam a manutenção preventiva do fluxo de distribuição. Privatizamos, então, para ter menos.
Além disso, vale lembrar que continua sendo o dever do Estado garantir o direito ao saneamento. Isso na lei, mas na prática, autoridades como o governador, não aceita a crítica e ainda responde com deboche. Só que a comunidade não quer deboche. A comunidade quer ação, a comunidade quer a efetividade.
Eu espero, sinceramente, que a resposta seja dada nas próximas eleições. Que Fábio e sua turma, não sejam reeleitos, apesar dos puxa sacos. Considerando sua posição de governador, ele parece acreditar que está blindado de críticas. Falando em blindagem, é fundamental que o leitor acompanhe as ações dos seus parlamentares. Ontem, na calada da noite, de forma quase secreta, foi votado um dos maiores absurdos do nosso congresso: a possibilidade de os deputados decidirem se devem ou não ser julgados por crimes, como se estivessem acima da lei.
Alguns parlamentares sergipanos votaram a favor dessa proposta absurda. É imprescindível que continuemos a cobrar não apenas os deputados por essa e outras ações, mas também ao nosso queridíssimo governador. A respeito dele, apresento um vídeo no qual, enquanto parlamentar, se manifestou contra a privatização, argumentando sobre os impactos negativos nas áreas periféricas. O destino, ironicamente, tem demonstrado o contrário, inclusive em seu governo. Esperamos que haja uma justa redistribuição dos recursos, e que tudo se normalize o quanto antes, a fim de que possamos retomar nossas vidas, que há quase uma semana estão prejudicadas por essa situação. Esperamos também que o chefe do executivo evite o desrespeito, embora ele pareça ser uma de suas características.
Sobre a autora

Jornalista formada pela Universidade Federal de Sergipe (UFS), Tatiane Macena se interessa por pautas ignoradas pela imprensa tradicional. Mulher preta, periférica e fruto de escola pública, na reta final da graduação, sentiu a necessidade de desenvolver como trabalho de conclusão de curso uma "Cobertura alternativa para as periferias de Aracaju", com foco no bairro Santa Maria, seu lugar de pertencimento. Assim, fundou o Periféricos.
Importante:
Nós não recebemos verbas de governos. A nossa sobrevivência depende exclusivamente do apoio daqueles que acreditam no jornalismo independente e hiperlocal. Se você tem condições e gosta do nosso conteúdo, contribua com o valor que puder.







Comentários