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Entre o corre, o grito abafado e a dor julgada, falar sobre saúde mental é curar feridas que o sistema insiste em abrir


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Imagem gerada pela IA do Canva


Falar sobre saúde mental é fundamental, embora ainda seja um tabu. Infelizmente, a sociedade não está preparada para lidar com as questões da mente humana. Muita gente ainda acredita que ansiedade ou depressão são “frescura” e que falar de suas dores não é importante. Desde cedo, somos ensinados a engolir o choro, como se expressar emoções fosse um sinal de fraqueza. Para os meninos, a pressão é ainda maior. “Homem não chora” frase dita com frequência, ela é nociva e nega algo básico e natural: ter sentimentos! Não é coincidência que a taxa de suicido seja maior entre os homens.


No mundo do capitalismo e da meritocracia, onde o lucro parece mais importante que a vida, não sobra espaço para sentir. A sociedade faz com que se acredite que ser forte é se manter calado, aguentar as dores e abafar o grito no travesseiro. Mas quando não se aguenta mais, como faz? Quem vai dar apoio para os meninos e meninas que sofrem desde cedo com a precarização do sistema que insiste em mostrar que “homem não chora” e que “mulher tem que ser sempre delicada”? Esse sistema que está o tempo todo nos negando as nossas individualidades e afirmando o tempo todo que “temos as mesmas 24 horas”, que insiste em nos mostrar que não estamos nos esforçando o suficiente, e que nos nega não apenas direitos básicos, mas também o direito de sentir. Por isso, é urgente falar sobre saúde mental, ou melhor, sobre a falta dela.


Eu mesma vivi muito tempo em um ambiente familiar conturbado, marcado por traumas, falta de estrutura, violência e problemas com álcool. Já vi pessoas da minha família sofrerem profundamente, enquanto eu tentava oferecer apoio e, ao mesmo tempo, lidar com comentários preconceituosos de quem não conhecia a realidade. Muitas vezes, a culpa recaía sobre quem estava sofrendo ou sobre a família, quando o que se precisava era acolhimento e empatia. O que desejo, de coração, é que ninguém precise passar por isso. É doloroso demais. A falta de compreensão, somada ao preconceito e aos julgamentos, só agrava o sofrimento. Falar, ouvir e acolher são passos essenciais para que possamos viver em uma sociedade mais humana e empática.


É importante salientar que a culpa não é da família, dos amigos, muito menos de quem se encontra em situação de sofrimento mental. Depressão, ansiedade, bipolaridade, etc não é frescura e nem muito menos culpa de quem sofre! São doenças que causam bastante angústia e afetam as emoções. Qualquer um pode ser acometido. Pessoas de qualquer idade, sexo, raça e classe social pode ser vitima. No Setembro Amarelo, diversas campanhas são feitas, inclusive por empresas que adoecem a mente do jovem negro e periférico. Não adianta passar o ano inteiro destruindo a saúde mental do trabalhador e, em setembro, entregar uma lembrancinha acompanhada de um post no Instagram com a legenda “a gente se importa com nossos colaboradores”.


De acordo com uma reportagem do G1, dados do Ministério da Previdência Social mostraram que, em 2024, o país registrou mais de 470 mil afastamentos do trabalho por transtornos mentais. Em Sergipe, foram 3.653 afastamentos por motivos de saúde mental, sendo 1.564 por ansiedade e 823 por depressão. Os dados revelam ainda que as mulheres são a maioria entre as afastadas, ainda que por períodos menores. O tempo é cruel, especialmente com as mulheres, que lidam com sobrecarga no trabalho, menor remuneração, responsabilidades familiares e tantos outros fatores.


Em minha concepção esses números demonstram que são necessárias ações que realmente façam a diferença. Um post no Instagram não vai aliviar a ansiedade de quem acorda às quatro da manhã, prepara o café, leva as crianças à escola e pega um ônibus lotado. As redes sociais só aumentam a sensação de que, enquanto o outro prospera, você está ficando para trás. O que elas não mostram é que muita gente só chegou onde chegou porque o sistema a favoreceu.


É importante entender que as desigualdades sociais têm ligação direta com a saúde mental, no caso, a falta dela. Viver num ambiente vulnerável socialmente aumenta os índices de transtornos mentais. Uma pessoa pobre com depressão não pode se dar o luxo de deixar de trabalhar, estudar por conta de não estar se sentindo bem em um determinado dia. Seu sustento, cuidados com a casa e seu futuro depende exclusivamente do ato de levantar da cama, mesmo que isso seja rifar sua saúde mental.


Outro ponto que precisamos debater é a violência nas periferias, ontem li a seguinte frase em uma postagem no Instagram: “Não existe saúde mental em um estado que mata 64 pessoas em um único dia.” A frase se refere a chacina que ocorreu nos Complexos do Alemão e da Penha, Zona Norte do Rio de Janeiro, durante uma operação da polícia militar. Numa nova atualização, os números de mortos passaram de 120, e a matança disfarçada de megaoperação policial entrou para a história como a mais letal já registrada não só na capital, mas em todo estado do Rio de Janeiro. Como manter a sanidade num ambiente como esse? Num lugar em que a violência impera, e as vidas das pessoas são tratadas como um nada? O sistema falhou e vai seguir falhando enquanto colocar interesses políticos e financeiros sempre à frente da periferia.


Em agosto, um jovem da periferia de Sergipe foi vítima desse sistema podre, que nega direitos básicos e deixa a violência e desigualdade reinarem na periferia. Um mês antes do setembro amarelo, época em que as pessoas fingem se importar com a saúde mental, um jovem talentoso e muito querido. A partida precoce de Meruz, nos lembra que é importante falar e saber ouvir. Muitas pessoas têm vergonha ou medo de dizer que não estão bem, especialmente quando familiares ou amigos próximos minimizam sua dor.


É importante acolher e mostrar que, apesar de vivermos em uma sociedade que insiste em negar nossas dores, ninguém precisa enfrentar tudo sozinho. Também é essencial respeitar as subjetividades de cada um. As experiências podem até parecer semelhantes, mas a forma de sentir é diferente. Aquilo que funciona para um, como uma caminhada ou um hobby, pode não funcionar para outro. Cada pessoa sente, reage e enfrenta suas dores de forma única, e está tudo bem.


Decidir escrever sobre a falta, porque, infelizmente, é o que acontece nas periferias de todo o Brasil. Quem nunca teve questões com a própria mente ou precisou lidar com alguém próximo em sofrimento psíquico? É doloroso sentir ou ver pessoas que amamos passando por problemas de saúde mental e perceber que, por falta de estrutura, o sofrimento é maior do que seria se o Estado cumprisse o seu papel que é de oferecer acesso universal e igualitário à saúde, conforme previsto na Constituição. Deveríamos ter apoio psicológico nas escolas, no trabalho e em outros espaços, mas a realidade é diferente. Enquanto alguns desfrutam de privilégios, a periferia não tem sequer o básico. E ainda tem outra coisa: enquanto falta acesso, sobram julgamentos.


Ninguém precisa carregar o peso do mundo nas costas. A terapia, ainda que seja um privilégio para muitos, pode ser uma ferramenta importante para aliviar a mente. Para encerrar, ou melhor, continuar, deixo um pedido: indiquem maneiras acessíveis de conseguir apoio psicológico, pois sei que, apesar dos avanços, cuidar da saúde mental ainda é um privilégio em nosso país. Se você sente que não tem estrutura para ajudar, indique um profissional. Mostre que não há problema em procurar o CAPS, um aplicativo, algum projeto de apoio psicológico, como o site https://www.psymeetsocial.com/ (sim, estou fazendo uma divulgação, mas não recebi nada para isso). É claro que não precisa ser esse site, pode ser outro, como por exemplo, algumas universidades oferecem terapia gratuita.


Por Tatiane Macena com colaborações de Viviane Silva


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