top of page

‘79 PROBLEMAS OU MAIS’: UMA CONEXÃO INTERIOR E CAPITAL

Atualizado: 16 de set.

Por Marcos Roberto Santos Pereira


ree

Concentrada na capital, a produção de rap de Sergipe se expande para além. Uma análise dos resultados dos editais de incentivo à cultura revelariam uma quase inexistência do rap fora da conhecida região metropolitana, que engloba os municípios de: Aracaju, São Cristóvão, Nossa Senhora do Socorro e Barra dos Coqueiros. Quão surpreendente é, então, saber que um dos grupos mais prolíficos da cena vem de fora desse eixo? Conhecida  pelo turismo, Itaporanga D’ajuda, no quesito rap, exporta para o cenário estadual um de seus principais grupos, a Exorbit Mob.


Formado por Kobay e Bymo, o duo tem sua produção focada no trap, gênero marcado por uma sonoridade mais leve. Outros gêneros também marcam presença na sua discografia, claro, mas é o trap que impera, na produção do grupo e na produção solo do Kobay. É inusitado, portanto, que o mais novo projeto deles seja um EP exclusivo de boombap, quase que um antônimo. A mudança converge com a nova parceria firmada pela Exorbit Mob, com o Santa Cena. 


Lançado em 01/09, ‘79 problemas ou mais’ marca a continuação da parceria entre as duas mobs. Iniciada com o clipe de ‘Urubus’, o novo trabalho da conexão Itaporanga - Santa Maria é um EP de 5 faixas idealizado por Bymo e Kobay, com produção musical do Eufórico, feats de Vitu (1050mobb) e um clipe espetacular produzido pelo restante da equipe do Santa Cena, com Luan Allen na direção, Precioza na direção de arte e Camilla na produção geral.

O trampo traz a tônica de uma vivência dual própria de Itaporanga.


Sobre isso, Bymo relata: “no videoclipe, a gente pensou em unir o urbano com o rural, que é a nossa vivência. Ao mesmo tempo que a gente tem acesso a muita informação, a gente ainda vê cavalo na rua, ainda vê estrada de barro, vê os moleques jogando bola descalço em campo de terra”. Filmado no centro de Itaporanga e no povoado de Campos, o videoclipe nos mostra desde o corte na régua e a balaclava até os fogos de festa junina e o cavaleiro. 


Essa dualidade é própria da juventude de uma era informatizada pela internet, mas que, em sua vivência cotidiana, se depara com um mundo real de tradições locais bastante enraizadas. Nesse sentido, mesmo que não tão evidente quanto o clipe, a produção do EP também representa essa dualidade. No título, os problemas geolocalizados em Sergipe não divergem dos da juventude de qualquer metrópole global.


Na produção musical, a escola do boombap se estabeleceu exatamente na mescla da modernidade hip-hop com o tradicionalismo. Por isso, é natural a presença de instrumentos de sopro e piano reproduzindo loops de blues e jazz, além de outros instrumentos e sonoridades de outros ritmos tradicionais. O mesmo acontece em ‘79 problemas ou mais’, que contaexclusivamentecom um leve aceno à música popular brasileira, explorada pela voz de Caetano em ‘Eu Avisei’.


Com vistas a essa dualidade, a parceria com o Santa Cena é mais que necessária. Com todo um histórico de representatividade local, a lente de Luan é a única no cenário estadual capaz de entregar da forma mais fidedigna a representação dessa vivência. Não é à toa que Bymo e Kobay tenham em alta conta a colaboração. Bymo diz que: “quando a gente começou, a gente fazia as paradas meio amadoras. Por mais que a gente desenrolasse, que eu trabalho com vídeo e foto desde muito novo, o Santa Cena sempre foi referência. Tem uma coisa especial na galera do Santa Cena”.


Equipe de figuração, da Exorbit Mob e do Santa Cena. Bymo com roupas brancas e boné vermelho, Luan Allen em seguida, de camisa verde, precioza em seguida de camisa amarela e Kobay de roupas pretas no final.  (Foto: Stefany Oliveira Santos)
Equipe de figuração, da Exorbit Mob e do Santa Cena. Bymo com roupas brancas e boné vermelho, Luan Allen em seguida, de camisa verde, precioza em seguida de camisa amarela e Kobay de roupas pretas no final. (Foto: Stefany Oliveira Santos)

Kobay complementa: “a junção com o Santa Cena, pra mim, representa prosperidade, acolhimento, conforto. Porque antigamente a gente tinha que se virar pra fazer muita coisa. E a gente poder ser abraçado com apoio pra realizar algo que a gente sempre quis fazer é tipo realizar um sonho”.


Não só na lente de Luanse reflete esse aspecto dual. Sobre isso, a diretora de arte do clipe, Precioza, afirma que: “na criação, misturei peças de streetwear, cortes esportivos e acessórios, com elementos que remetem ao cotidiano. No figurino de Bymo, adicionei uma gravata, que funciona como provocação, um detalhe formal usado de modo a reforçar a não formalidade. Já em Kobay, além de respeitar sua personalidade, trabalhamos referências do estilo boombap, trazendo essa energia clássica do rap para o figurino.


Para os participantes do clipe, priorizamos roupas do cotidiano, destacando também as cores escolhidas para a narrativa”. Além disso, complementa a fala ao dizer que o vermelho   “traz a força e evoca os conflitos da existência; o azul representa calma, mas também carrega um contraste intenso; e o verde conecta com o campo e a raiz rural”.


Igualmente dual é a vivência do grupo na produção de rap para além da centralidade aracajuana. A versatilidade de Kobay o permite flutuar facilmente entre gêneros e flows, já o lirismo de Bymo entrega algumas das letras mais intimistas e sinceras do rap sergipano. Isso permite que a produção deles seja muito variada e de alta qualidade. Ainda assim, o ‘ajucentrismo’ se mostrou um desafio a superar na trajetória da Exorbit Mob. Especificamente no aspecto dos acessos, Bymo comenta que: “fazer rap fora da capital foi um desafio no começo, porque a gente não sabia como acessar os lugares, saber onde tem evento em Aracaju.


Porque quem tá aí, a galera vai no rolê e faz contato. Mas a gente que tá aqui, ou num interior mais longe ainda, não faz ideia de como acessar esses lugares”. De modo semelhante, Kobay ressalta a necessidade de vir para Aracaju: “eu sempre pensei que Aracaju, por ser capital, ela fosse o centro do estado, então é a parte que tem mais eventos de rap acontecendo dentro do estado. Por mais que seja pouco, o que tem é em Aracaju. Eu vejo como uma necessidade de vir pra capital pra poder fazer shows ou estar mais inserido no cenário do rap”.


Essa fronteira, contudo, não foi motivo de desistência. Com produções que remontam até o final de 2020 no canal do YouTube, Exorbit Mob é um dos grupos mais produtivos da cena sergipana. Sua discografia conta não só com um álbum e uma série de singles, mas também com uma massiva produção solo de ambos os integrantes. E como se não bastasse, por ocasião do primeiro Bate Cabeça do Santa Cena em 2022, aquilo que despontava a Exorbit Mob como um dos principais grupos da cena local engata em uma guinada aglutinadora.


Da esquerda para direita: Kobay e Bymo, os integrantes da Exorbit Mob. (Foto: Luan Allen)
Da esquerda para direita: Kobay e Bymo, os integrantes da Exorbit Mob. (Foto: Luan Allen)

O histórico de colaborações e participações em videoclipes, principalmente da produção solo de Kobay, revela que é depois do ‘Bate Cabeça’ que alguns dos principais nomes de Sergipe somam esforços com o duo. BW, Manu Caiane, Dayo, Teko e 1050mobb são  alguns dos que, de uma maneira ou de outra, fizeram parte da trajetória do grupo. Todos eles, cabe ressaltar, artistas que já foram do Santa Cena, ou que firmaram fortes laços com o coletivo.


Assim, fica claro que a trajetória da Exorbit Mob é perpassada pelo Santa Cena antes mesmo de se materializar numa produção. ‘79 problemas ou mais’ é, primeiramente, apenas um novo passo dessa rica união, mas em segundo plano é também um novo passo no caminho que ambas as mobs percorrem pela história do rap sergipano.


Talvez isso já esteja claro quanto à Exorbit, mas, no caso do Santa Cena, é muito pertinente o que Camilla, produtora geral, tem a dizer: “Estamos, de fato, vivendo um novo momento enquanto produtora, equipe e profissionalização dos nossos materiais, integrantes e artistas. É inegável que houve um rompimento, não há nenhum vínculo de trabalho com as pessoas produzidas anteriormente, mas há consideração e respeito pelo indivíduo e o resultado das produções que construímos juntos. Vale ressaltar, no entanto, que agimos de forma totalmente orgânica, e nesse quesito, ainda continuamos dentro do conceito, objetivo e proposta original do Santa” .


Além disso, o lançamento do EP é prova cabal de que, se por um lado, a vinda de Bymo e Kobay para Aracaju representa uma necessidade desafiadora, por outro, ela é sinônimo de bons frutos. Nesse sentido, Kobay relata a boa colheita das conexões com o município, mas também com a de outra cidadeinteriorana, Riachuelo: “essa necessidade de a gente vir pra Aracaju fez com que a gente conhecesse várias pessoas que nos apoiaram desde sempre, nos abraçaram de uma forma muito massa. Pessoas que têm a mesma visão que a nossa, mesmo sentimento, de estar fazendo parte do rap daqui de Sergipe. Então, eu me sinto muito bem de saber que tenho vários amigos pela região de Aracaju, assim como me sinto bem de ter várias relações espalhadas pelo Brasil todo e do rap aqui no estado, como Nitzx, produtor de Riachuelo”.


Com uma trajetória dessas, nome melhor não poderia ter sido escolhido pela dupla. Exorbit Mob tira seu nome de “exorbitar”, que significa sair de órbita, ou mesmo, ser fora do comum, não seguir a norma. Talvez escolhido de forma despretensiosa, o nome do grupo encontra respaldo na sua própria história. De fora da capital, fora do centro de produção de rap do estado, postos diante de um limite de acessos e conexões, mas com uma das mais extensas discografias do estado e sendo um lugar de concentração de agentes da cultura hip-hop, a Exorbit Mob escapa do comum, se destaca, foge da órbita para poder ser vista, e tal qual um corpo massivo, atrai outros astros e concentra em si algumas das movimentações mais importantes de Sergipe. ‘79 problemas ou mais’ é mais uma delas.


Sobre o autor


ree

Marcos Roberto Santos Pereira é doutorando em filosofia pela UFS e pesquisador não acadêmico da história do rap sergipano.

Comentários


PERI_FÉRICOS__8_-removebg-preview.png

Nosso jornalismo é feito de dentro para dentro e dentro para fora. Aqui, as pessoas têm não somente nomes e funções, mas também características e sentimentos, individuais e coletivos. Mande a sua sugestão de pauta para perifericosjornalismo@gmail.com

bottom of page