Festival internacional de grafite Agora é Avera leva cores à periferia de Aracaju
- Periféricos

- 16 de set.
- 8 min de leitura

Agosto foi um mês especial para o bairro Santa Maria, em Aracaju. O festival internacional de grafite Agora é Avera, realizado nos dias 22, 23 e 24 pelo coletivo Espaço Criativo, reuniu artistas de várias partes do Brasil, coloriu e animou as ruas da comunidade com música, poesia e, principalmente, grafite. Em sua 8ª edição, o evento apostou em uma estética futurista e, mais uma vez, transformou o bairro em uma galeria a céu aberto. O Periféricos esteve presente para registrar a potência da juventude que movimentou o território.
A ideia do festival nasceu de um incômodo. O grupo de artistas que hoje forma o Laboratório da Arte, antigo Guerreiros Revolucionários do Guetto, costumava participar de eventos culturais da cidade. Mas, após um episódio de descaso em uma atividade da prefeitura, decidiram criar o próprio espaço de valorização. Na ocasião, apesar de o grafite aparecer no panfleto oficial, não recebeu a atenção devida.
Indignados, os jovens criaram o Agora é Avera. A proposta é fazer um evento com a cara da periferia, colocando o grafite em destaque e que mostre que a periferia é viva e tem muito potencial. “Então a gente quer fazer a maior faixa de grafite de Aracaju para que as pessoas digam: vou lá ver o grafite do Santa Maria”, enfatiza Dalvam Dext, o idealizador do festival e também artista.

O Agora é Avera surgiu no bairro Industrial e teve sua segunda edição no Santa Maria, onde o Espaço Coletivo, grupo que desenvolve atividades ligadas ao hip-hop, foi criado. Em uma das edições, o chegou a ser realizado em um ponto turístico da cidade, mas não recebeu a mesma atenção e envolvimento que encontrava na periferia. Foi então que o grupo percebeu que o festival deveria permanecer no Santa Maria. A comunidade abraçou a proposta de transformar os muros cinzentos e abandonados em uma galeria a céu aberto, recebendo artistas de todo o país.
Este ano, o tema foi Favela Futurista. Charles Mendes, DJ, produtor cultural e integrante do coletivo, explica a escolha, que aborda inteligência artificial, algoritmos, afrofuturismo e tecnologia. “A periferia está cada vez mais conectada. Unir grafite, tecnologia e futurismo é mostrar que a quebrada também faz parte desse diálogo global.” Os painéis de grafite dialogam com a temática. Para o artista Shock Black, o tema permitiu explorar novas combinações. “O futuro da favela me inspirou a unir natureza e tecnologia em minhas obras. Para mim, o futuro é natural: precisamos ensinar às novas gerações a importância de plantar e valorizar a vida.”, pontua.
Matheus Henrique Santos Bispo, o Shock Black, representou a cidade de Candeias - Ba e participa pela terceira vez do Agora é Avera. (Fotos: Janisse Bispo)
A arte e a sua função social
Para Dalvam Dext, idealizador do festival, o grafite vai muito além da estética. “Transformamos ruas cinzentas e esquecidas em uma galeria para a comunidade, por onde passam crianças, famílias e trabalhadores. A arte aproxima a população de algo que muitas vezes só é visto em galerias fechadas”, ressalta. Hoje, o Agora é a Vera movimenta o comércio local e já é reconhecido como o maior evento de grafite do estado.
Seguindo a temática da edição, grafiteiras e grafiteiros fizeram paineis sobre a favela futurista. Cada um de acordo com seu estilos. (Fotos: Wandson Silva e Janisse Bispo).
O hip-hop sempre foi um movimento político e educacional, e no coletivo Espaço Criativo não é diferente. Ali, a arte é valorizada e constantemente pensada de forma a se tornar mais democrática. O Agora é Avera é apenas uma das muitas atividades desenvolvidas pelo grupo, que ganhou destaque pela diversidade de linguagens que reúne. O evento vai da poesia à música levando à periferia as vivências da comunidade. Para Bruno Lima, um dos organizadores, ocupar esses espaços é uma forma de transformação social. “Notamos uma evolução: a sociedade acolhe melhor a arte e reconhece sua importância. É acesso gratuito e formativo para toda a comunidade.”
Foi um fim de semana de muita arte e que todas as gerações puderam experimentar a cultura que ali foi promovida. A artista plástica Larissa Vieira, mais conhecida como Mundo Negro, promoveu uma oficina de pintura infantil no último dia do evento e comenta que vê o festival como um caminho para as novas gerações: “[Com] trabalhos como esse as crianças estão aprendendo a criar perspectiva, são muitas edições em que a cultura hip-hop vem mostrando o seu poder”, salienta a artista. Já o rapper e apresentador Anderson Hotblack ressaltou a importância da presença de jovens e crianças no festival. Para ele, “quem passa por aqui pode perceber que o hip-hop, em suas diversas linguagens, é uma cultura que agrega, transforma e reivindica. Ele revigora e reforma espaços que antes estavam ociosos e que agora se tornam ocupados por uma vasta potência”.
(Fotos: Wandson Silva e Janisse Bispo).
O evento também contou com a participação do batalhão A Força que Vem do Quilombo, grupo musical fundado há quase uma década na comunidade quilombola Canta Galo, localizada em Capela. Dantas do Santos Júnior lembra que a iniciativa nasceu como forma de resgatar tradições da família e do território: “É importante preservar a história no quilombo e na periferia, mostrar que temos força para resgatar a cultura popular e nunca deixá-la morrer. O batalhão foi fundado pelo meu bisavô, e eu, junto com a professora Rose, decidimos resgatar essa história para que não se perdesse. Cada verso que cantamos é um pedaço da nossa memória”, conta.
Um festival que acolhe
Para a diretora geral do festival, Jhully Souza, a edição deste ano buscou ainda mais escuta da comunidade: “Perguntamos o que as pessoas gostariam de ver e incorporamos suas demandas, como o samba no encerramento. Descentralizar a arte é levar cultura para quem normalmente não teria acesso. Queremos que todos se sintam parte da criação e transformação do bairro ", comenta.
Dos artistas que conversamos, todos enfatizaram a maneira em que a gestão do Agora é Avera se organiza, cuidando desde a produção até a recepção de quem chega para o festival. Entre eles, Consuelo, mais conhecida como Véa Coroca, que há treze anos participa de eventos culturais e anualmente sai do Rio Grande do Norte para prestigiar o festival em Sergipe.
“Eu tenho treze anos de rua e esse é o meu evento anual. Tornou-se parte da minha trajetória. Eu amo Sergipe, amo Aracaju, e tudo isso junto forma algo muito bonito. Aqui eu me sinto bem, respeitada, acolhida de verdade. Não é só um evento: as pessoas realmente se preocupam, perguntam se está tudo bem, se estou gostando”, contou. Nós da equipe do Periféricos, durante a cobertura, sentimos esse acolhimento: fomos convidados para almoçar e jantar com os artistas e a comissão organizadora, reforçando o clima de comunidade que sustenta o festival.

O Agora é Avera é um exemplo do que acontece quando a periferia se organiza e ocupa espaços estratégicos. A produtora cultural Luana Santos, mais conhecida como Lua, que atuou na organização do evento, comenta sobre a força transformadora de ações culturais como essa. “[Observo] a importância do grafite, do hip-hop e da cultura como alguém que constroi [eventos assim] aqui no Santa Maria e no Jardim Centenário. [Vejo] o quanto isso muda vidas.”
Cultura também é lazer
Além de palco para muito grafite, o Santa Maria recebeu outras artes. No fim de cada dia, entre o entardecer e o cair da noite, a população foi agraciada com muita poesia e música produzidas por artistas periféricos. Do samba às batalhas de slam, a variedade artística atingiu todas as pessoas que estiveram presentes, provando que a periferia é e deve ser espaço de fomento cultural.
As batalhas de slam são expoentes importantes da cena do hip hop, e num festival em que a arte urbana é protagonista, essa manifestação artística não poderia faltar, no entardecer do segundo dia de evento foi realizado o Slam A Vera, que contou com a participação de artistas já conhecidos da cena.

Além das batalhas, o Santa Maria recebeu cantores que animaram as noites do festival. Uma das apresentações foi da cantora aracajuana Anne Carol. A artista fez uma apresentação mais intimista acompanhada de seu violão e contou que se sentiu muito feliz por estar em mais uma edição do festival e também em ocupar espaços periféricos, que é de onde veio.
Além de Anne Carol, o festival também contou com os shows de Centaura, DJ, Falcatrua e se encerrou com o cantor e compositor Marcelo Victor. (Fotos: Tatiane Macena e Wandson Silva).
Para além de quem mora no Santa Maria, moradores de bairros vizinhos também aproveitaram o festival. É o caso da cozinheira Yasmim Santos, de 31 anos, que foi prestigiar as atrações musicais do evento. Ela conta que a apresentação que ansiava ver era da cantora sergipana Anne Carol, que através de sua voz potente embalou a noite daqueles que estavam presentes.

Como já citado, a multiplicidade artística marcou o final de cada dia de evento. Todos os anos cantores e poetas ligados ao movimento hip hop tinham destaque, esse ano foi a vez do samba ganhar seu espaço dentro das atrações musicais. A ideia foi tida a partir do que a comunidade tinha interesse e acharia legal. Então, depois desse contato com os moradores, a diretora Jhully Souza junto aos demais organizadores decidiu criar a “Tardezinha Avera”, regada de muito samba.
“Muitas vezes a gente partia do pressuposto do que a gente achava que seria legal levar para aquela comunidade, que seria legal eles ter aquela experiência. E esse ano a gente falou: ‘Não, vamos aqui, vamos dar um rolê é aqui. Vamos ouvir o que que a galera quer’. Acho que o maior diferencial para essa edição é a escuta, né?” explica a diretora geral Jhuly Souza.
Economia
Eventos culturais trazem visibilidade para as periferias não só no que se diz respeito à cultura, outras esferas da sociedade se movimentam junto a arte que está sendo promovida. Um exemplo claro dessa movimentação, é o impacto econômico dentro de determinada comunidade periférica. Muitos moradores, além de participarem das intervenções artísticas, aproveitam o espaço que ocorre o evento para poder fazer uma renda extra.
Dessa forma, além de consolidar o bairro como um ponto turístico, o Agora é a Vera também fortalece a economia local ao movimentar o comércio. Para moradores como Renata Bomfim, empreendedora local, o evento é uma oportunidade de mostrar o potencial da comunidade. “Aqui não só tem criminalidade. Temos artistas, comerciantes, empreendedores e pessoas com mente fértil, que só precisam de uma sementinha para florescer. Trazer minha filha para o festival é mostrar que nós, mulheres negras, temos voz e vez”, pontua. Além dela, outros empreendedores conseguiram ter um lucro mais do que se tira em dias “comuns”.
Diante de toda a relevância cultural e econômica que tem o festival, a Superintendente da Juventude e moradora do Santa Maria, Anne Livianne Santiago, reforça a importância institucional do festival e a necessidade de que haja fomentação dessa arte urbana no estado. “É preciso fomentar o crescimento do grafite em Sergipe. Por isso, oferecemos suporte e parceria para a realização do evento. Um festival dessa magnitude fortalece a comunidade e mostra que somos muito mais do que violência ou notícias negativas. A arte transforma vidas e dá voz a quem normalmente não é ouvido”, diz.
Por: Tatiane Macena, Viviane Silva e Laiza Xavier
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