
Dona de si, a turismóloga e consultora em acessibilidade Cristina Santos da Silva, nasceu no dia 24 de abril de 1985 em Aracaju. Residiu desde o nascimento aos 7 anos de idade no bairro 18 do Forte, quando se mudou para a Zona Sul da capital sergipana. Morou com sua mãe Marilene dos Santos no bairro Santa Maria até completar 21 anos, momento em que se casou e foi morar junto com o esposo Adriano e a irmã gêmea Cristiane que também era casada.
Filha número 4 de 6 da dona Marilene e do José Antônio, Cristina foi diagnosticada com poliomielite (paralisia infantil) aos 6 meses. Chegou a fazer fisioterapia, no entanto teve que interromper o tratamento pois não havia quem a acompanhasse enquanto sua mãe trabalhava, consequentemente suas pernas atrofiaram e a esperança de andar tornou-se ilusória. “Minha mãe chegou a colocar as botinhas em mim e cheguei a dar alguns passos, mas eu sentia muitas dores nas pernas, por isso a gente desistiu. Com isso, eu não pude mais sustentar o me corpo”. Começava ali, uma árdua trajetória cheia de preconceito. Em casa, era ferida com apelidos maldosos vindo de seus Irmãos, na adolescência, ficava com vergonha em momentos de paquera e nos ônibus sentia-se constrangida quando precisava se locomover, afinal o transporte público não era nada acessível. Por isso, tinha que ser colocada nos braços dos cobradores que na maioria das vezes faziam cara feia.
Cristina casou 2 vezes. Seu primeiro casamento foi com o Adriano e durou 4 anos. O rapaz teve depressão e foi passar um tempo com a família a fim de receber cuidados. Foi nesse período que a separação aconteceu. Depois de um tempo separados, Adriano teve um infarto e infelizmente veio a falecer. A moça ficou dois anos sem se relacionar com ninguém. Até que conheceu seu segundo esposo. Esse relacionamento foi bastante conturbado. Havia constantes desentendimentos onde a Cristina era agredida verbalmente e psicologicamente. As agressões desencadearam uma baixa autoestima na moça que frequentemente achava defeitos em si própria. Com o passar do tempo, a relação ia se desgastando. Apesar de todo o contexto vivenciado pelo casal, a decisão de sair de casa veio do rapaz. Enquanto a Cristina estava fora de sua residência, recebera um recado no aplicativo de mensagens (WhatsApp). Era o esposo informando que iria embora. “Quando cheguei em casa, não havia mais nada dele”. Apesar do sentimento que ela tinha pelo ex-marido, teve uma atitude de amor próprio ao decidir não ter uma recaída e aceitá-lo de volta em casa, correndo assim o risco de passar por tudo novamente. “A decisão de ir embora foi dele, mas a de ele não voltar mais pra casa foi minha”.
Depois do segundo rompimento de casamento, Cristina passou por um processo denominado por ela como ‘luto’. “Eu passei um mês de luto. Troquei de cama, dei uma reformada nas redes sociais, e chorei o que eu tinha para chorar”. E ali, a Cristina descobriria o amor da sua vida; ela mesma. “Depois disso tudo, fiquei pelada na frente do espelho, olhei no fundo dos meus olhos e disse que nunca mais homem nenhum me faria chorar, porque eu sou bonita e gostosa”. Desde então, nossa protagonista segue solteira e se amando.
Cristina chegou a cursar história na Unit (Universidade Tiradentes) por um período de seis meses. Trancou o curso, pois havia tomado a decisão de casar. Adiou então o sonho de sua graduação para dar a si mesma a oportunidade de viver outro sonho, o casamento com seu primeiro esposo, o Adriano que juntamente com o seu cunhado, Batista, esposo da sua irmã, incentivaria a nossa protagonista a cursar Gestão em turismo no IFS (Instituo Federal de Sergipe). “Eu pensava como eu posso fazer gestão em turismo sendo PCD-física? Pra que? Ir à praia para ficar na areia?” A convivência com o esposo a ajudou a entender melhor o curso. “Eu entendi que turismo não é só praia. A área de turismo vai além disso tudo”.
Enquanto se graduava Cristina descobriu algo que a chamou atenção, o turismo acessível. Nascera ali o sonho de ver as pessoas com deficiência viajando com qualidade e tendo seu direito de ir e vir assegurado. “Sempre tive a viagem como um hobbie, mas hoje a viagem e muito mais que isso. O meu olhar não é o mesmo. Sempre que chego em algum lugar, eu o analiso. Vejo se o transporte é adaptado, se tem uma rampa garantindo o acesso de um lugar para o outro, e uma cadeira no banheiro do hotel disponível para que uma Pessoa com deficiência possa tomar o seu banho com tranquilidade. Quando não tem isso tudo, a gente é impedido de desfrutar completamente dos nossos sonhos. Se um dia eu chegar a ver todos os pontos turísticos acessíveis, vou me sentir ainda mais completa em minha profissão, afinal, será um sono realizado”.
Cristina é literalmente uma vanguardista disposta a lutar pelos direitos das PCDs. “Eu vivo hoje lutando pela causa das pessoas com deficiência, pois eu dando a cara a tapa no presente, as gerações futuras não vão precisar passar pelo que passei. Por exemplo, antigamente eu subia me arrastando nos ônibus. Eu fazia isso porque precisava me graduar e correr atrás dos meus sonhos, mas eu me sentia muito constrangida. Graças a Deus, hoje as pessoas não sobem mais se arrastando, pois há plataformas nos ônibus. E isso é fruto da luta de alguém”.
Cristina cobra melhorias, mas ainda assim comemora a conquista. “Embora ainda se precise avançar em questão de treinamento para motoristas e cobradores que muitas vezes não têm paciência ou não sabem como utilizar corretamente plataformas, isso já é uma pequena vitória”.
A jovem conta que no IFS (Instituto Federal de Sergipe) não sofreu preconceito da parte de seus colegas, mas enfrentou barreiras. “Eles fizeram o banheiro para deficientes como deposito, além disso, a aula era no andar de cima. Isso dificultava um pouco, mas da parte de meus amigos eu não sofria. Pelo contrário, eles buscavam me ajudar em tudo. Apesar que eu não queria ninguém atrás de mim o tempo todo, porque a minha mãe me criou para ser independente”. Na instituição ela conheceu um tutor que a ajudou a despertar para o mundo, o Dr Lício Valério. “Ele foi para mim um professor fantástico que me auxiliou em tudo. Foi me moldando aos poucos. E com um tempo aquela menina casca grossa do Santa Maria foi se tornando uma mulher que se aceita e sabe entrar e sair dos lugares com educação”.
Hoje a Cristina gerencia um perfil no Instagram, o Acestur onde ela busca auxiliar turistas PCDs com informações e destinos receptivos em Aracaju. Estudiosa, sempre procura adquirir conhecimento. Inicialmente, a ideia que deu origem ao perfil da Acestur, era baseada na monografia da Cristina que falava da acessibilidade e turismo em Aracaju. Depois de feita a monografia, Lício (professor) a indicou o curso de Aperfeiçoamento gerencial de empresários e gestores do turismo ofertado pelo Sebrae. Consequentemente, a monografia virou uma agencia que faz viagens para pessoas com deficiência. No projeto, ela fez um mapeamento de alguns pontos turísticos da capital e apontou aquilo que ainda o que ainda não é acessível, mas tem condições de virar. “Eu levo o sonho para PCDs. Eu gostaria que todos os lugares da nossa capital fossem acessíveis. O meu sonho é esse projeto sair do papel e virar realidade. Sei que é um custo muito alto, mas é o meu sonho”.
“Tudo que passei com dores e cortes foi porque existe em mim uma promessa”. Esse e o recado da Cristina para aqueles que são agora conhecedores de sua trajetória.
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