top of page

Direito de ocupar e transitar se tornou barreira na mobilidade urbana de moradores das regiões metropolitanas

Atualizado: há 4 dias

A necessidade de expansão urgente das rotas metropolitanas é o grito de centenas de usuários por acesso digno aos terminais de Aracaju


Por Heidy Souza e Thaisy Santa Rosa


(Foto: Thaisy Santa Rosa)
(Foto: Thaisy Santa Rosa)

A rotina de centenas de moradores da Grande Aracaju que dependem do transporte coletivo é marcada pela exaustão e pelo tempo perdido. O problema da ineficiência nas linhas e da falta de integração afeta diariamente o acesso ao emprego e à educação de moradores de bairros localizados nas regiões metropolitanas da capital, que todos os dias precisam migrar de terminal em terminal até chegar ao seu destino final, contribuindo, assim, para o seu cansaço físico e emocional.


Doze ônibus e oito horas perdidas: a rotina de Jennifer


Jennifer Nyrla é estudante universitária e moradora do bairro Parque dos Faróis. (Foto: Thaisy Santa Rosa)
Jennifer Nyrla é estudante universitária e moradora do bairro Parque dos Faróis. (Foto: Thaisy Santa Rosa)

Jennifer Nyrla é estudante universitária e moradora do bairro Parque dos Faróis, localizado em Nossa Senhora do Socorro, região metropolitana da capital Aracaju. Diariamente, ela utiliza o transporte coletivo para se deslocar até seu estágio, em Aracaju, pela manhã, e até sua faculdade, também na capital, no período da noite. Por dia, Jennifer precisa enfrentar um total de doze ônibus para chegar aos seus destinos.


A estudante conta que, para conseguir pegar todos os ônibus necessários, precisa realizar toda uma logística para não perder nenhum, o que resultaria em atrasos nos seus compromissos. “Não é só pegar um ônibus, é você esperar o horário que vai pegar o ônibus. Eu posso sair de casa cedo, mas, se o ônibus que pego para sair do meu bairro até o primeiro terminal atrasar, eu chego tarde e acabo perdendo o próximo ônibus que faria eu chegar ao outro terminal. Então, eu preciso criar estratégias que permitam que eu pegue todos os ônibus que eu preciso pegar para que eu não me atrase”, nas baldeações apenas de ida, Jennifer chega a perder duas horas do seu dia.


Em meio ao percurso exaustivo, alguns dias não permitem sequer uma alimentação adequada, o trajeto longo faz com que ela recorra a algo rápido, como um pequeno pacote de biscoito sempre presente em sua bolsa e isso é o possível para seguir firme até o próximo terminal.


No ritmo acelerado e nas pausas obrigatórias, a mesa e o jantar se tornam os possíveis, não os necessários. (Foto: Thaisy Santa Rosa)
No ritmo acelerado e nas pausas obrigatórias, a mesa e o jantar se tornam os possíveis, não os necessários. (Foto: Thaisy Santa Rosa)

Com a necessidade de utilizar doze ônibus por dia, a jornada de Jennifer é uma verdadeira maratona. Em um cálculo que considera as baldeações realizadas de terminal em terminal, a universitária gasta no mínimo oito horas diárias apenas com deslocamento: duas horas para ir ao estágio, duas horas para voltar para casa, duas horas para ir à faculdade e mais duas horas para o retorno à sua casa, sem contar os dias em que a espera é ainda maior.


"Eu tenho umas oito a nove horas do meu dia perdidas, só com esse vai e vem", lamenta a estudante, que completa: "Esse tempo eu poderia estar estudando, fazendo atividades físicas. Fora o cansaço em que fico, já que não tenho tempo de descansar entre um compromisso e outro durante a semana”, reforça.


Desigualdade e Dados: o peso da baldeação no emprego


A rotina de Jennifer reflete a realidade da região metropolitana. Segundo uma matéria divulgada pelo Portal G1 em outubro de 2025, com base em dados do Censo 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no Brasil, cerca de 10% da população leva de uma a duas horas para chegar ao seu trabalho, enquanto 1% leva de duas a quatro horas.


Em Nossa Senhora do Socorro, segundo o Censo de 2022, sua população era de 192.330 pessoas. Destas, 18% da população leva de uma a duas horas para chegar ao seu destino, o equivalente a 36.619 pessoas.


O ‘drama’ dos deslocamentos não está apenas no município de Nossa Senhora do Socorro. Anderson Bispo é morador do bairro Eduardo Gomes, em São Cristóvão, também pertencente à região metropolitana de Aracaju, e trabalha no bairro Jardins, na capital. Por dia, Anderson chega a pegar de seis a oito ônibus para ir e voltar do seu trabalho.


Anderson Bispo é morador do bairro Eduardo Gomes e utiliza de seis a oito ônibus todos os dias. (Foto: Thaisy Santa Rosa)
Anderson Bispo é morador do bairro Eduardo Gomes e utiliza de seis a oito ônibus todos os dias. (Foto: Thaisy Santa Rosa)

Ele afirma que a superlotação no transporte e a quantidade de baldeações necessárias para chegar até o trabalho acarretam em dificuldade para a própria saúde dos passageiros. “O cansaço que passamos dentro dos ônibus cheios e superlotados acabam afetando mais o nosso psicológico do que o próprio dia a dia no trabalho”.


A catraca e as baldeações não são apenas barreiras físicas, mas a metáfora perfeita para descrever a injustiça espacial. O trajeto de carro demora cinco vezes menos que o trajeto de ônibus - são 30 minutos contra duas horas. O descanso, que para muitas pessoas está há 30 minutos ou menos, tem que esperar um pouco mais para quem não tem acesso a um veículo próprio. A realidade acentua a precarização do acesso a áreas periféricas e o direito de pertencer a cidade.


O percurso de Jennifer e Anderson se cruzam com o de diversos passageiros que dependem do ônibus para percorrer a grande Aracaju. Diversas vezes o direito à essa cidade fica barrado ou pede a passagem entre os ônibus lotados e as baldeações. Fazer parte da cidade é muito mais que morar nela, mas ter a possibilidade de transitar de maneira confortável e segura.


A Fuga da catraca: alternativa necessária para uma melhor qualidade de vida 


Rafael Correia trocou o transporte coletivo pela bicicleta ainda durante a faculdade. (Foto: Thaisy Santa Rosa)
Rafael Correia trocou o transporte coletivo pela bicicleta ainda durante a faculdade. (Foto: Thaisy Santa Rosa)

Foi procurando alternativas para fugir de toda essa demora para se deslocar que Rafael Correia trouxe como alternativa o ciclismo em seu dia a dia. Há cerca de três anos, quando ainda era estudante universitário na Universidade Federal de Sergipe, campus São Cristóvão, Rafael, morador do conjunto Fernando Collor, em Nossa Senhora do Socorro, decidiu largar o transporte coletivo e passou a utilizar sua bicicleta para percorrer os 13 quilômetros que separavam a sua casa da faculdade.


“Eu passava mais de duas horas para chegar até a faculdade. Precisava pegar de dois a três ônibus só para chegar até lá, eu não conseguia tomar um café da manhã com calma, vivia sempre cansado e não tinha ânimo para fazer nenhum exercício físico, fora os riscos com a insegurança dentro do coletivo”, esses foram os motivos que contribuíram para que Rafael passasse a se deslocar de bicicleta até a universidade.


A decisão de Rafael não representa uma fuga da realidade, mas uma opção de autonomia e controle de tempo. Afinal, o direito à mobilidade ativa e sustentável também faz parte do direito à cidade, por outro lado, os ciclistas também precisam de espaço para transitar com segurança. A via que Rafael percorre todos os dias também apresenta os seus desafios, a calçada irregular, por exemplo, dificulta a passagem. A Mobilidade ativa, apesar de benéfica para o meio ambiente, requer atenção do poder público para garantir uma cidade sustentável e resguardada.


Agora, já formado, Rafael continuou enfrentando dificuldades na demora para chegar aos seus locais de trabalho por meio do transporte coletivo. Para se deslocar a duas das quatro escolas em que ele trabalha, Rafael precisava realizar baldeações que demandavam muito do seu tempo, além da superlotação e quebra de ônibus antes da chegada ao destino final.


“Para chegar à escola em que leciono no bairro Coroa do Meio, eu preciso pegar dois ônibus, já teve vezes de eu estar no terminal, passarem três ônibus e eu não consegui entrar pela superlotação, como também já aconteceu de o ônibus quebrar na metade do caminho e eu precisar pegar um carro de aplicativo porque não daria tempo esperar outro ônibus, caso contrário chegaria atrasado”, relatou o professor.


O deslocamento não impactou apenas na sua vida acadêmica e profissional, o jovem relata que já deixou de frequentar ambientes sociais com os amigos por conta do tempo de deslocamento. O ciclismo devolveu a ele uma qualidade de vida e saúde já que, com a bicicleta, ele conseguiu ter uma hora a mais de sono diariamente, se alimentar melhor e ganhar disposição para praticar outras atividades.


"A bicicleta se tornou meu terminal de integração, garantindo que eu chegue ao destino sem depender de superlotação ou quebra de veículos, e ainda me devolveu o tempo para cuidar de mim", resume.


O que diz o Poder Público


O tempo de espera transforma o aperto do ônibus lotado em um respiro que anseia pelo descanso. (Foto: Thaisy Santa Rosa)
O tempo de espera transforma o aperto do ônibus lotado em um respiro que anseia pelo descanso. (Foto: Thaisy Santa Rosa)

Em nota disponibilizada pela Prefeitura de Nossa Senhora do Socorro, o órgão diz: “A Prefeitura de Nossa Senhora do Socorro, por meio da Superintendência Municipal de Trânsito e Transporte (SMTT), reforça que a integração do transporte público no município é uma pauta permanente desde o início da nova gestão, sendo discutida de forma contínua, inclusive nas reuniões do Consórcio do Transporte Metropolitano, do qual Socorro faz parte.


Entre as propostas, em estudo pela SMTT do município, está a criação de novas linhas para garantir maior conexão entre os bairros, uma necessidade reforçada pela complexa configuração geográfica do município. Também está em planejamento a implantação de um terminal de integração no Parque dos Faróis, com o objetivo de facilitar as baldeações e melhorar a mobilidade dos usuários.


A SMTT destaca, no entanto, que decisões dessa natureza precisam ser pactuadas entre todos os integrantes do consórcio, já que o sistema é integrado, e levam tempo para a devida execução. No momento, outras pautas prioritárias estão em discussão no colegiado. Ainda assim, o município seguirá levando adiante esse debate, defendendo avanços que beneficiem a população socorrense”.


A Superintendência Municipal de Trânsito e Transporte (SMTT) de Aracaju foi procurada, mas até a finalização desse material não deu retorno.


O processo burocrático acaba dificultando ainda mais o acesso à cidade e o seu uso pleno. Enquanto isso, a população vive o mesmo drama diariamente, o que reforça a falha de um sistema essencial para a saúde dos moradores.


Tempo perdido é vida negada



Segundo estudos sobre Reforma Urbana e Direito à Cidade em Aracaju, a mobilidade urbana é elemento fundamental para garantir acesso ao trabalho, estudo, saúde e lazer. A realidade, no entanto, escancara a precarização do transporte, que acaba negando o exercício pleno da vida urbana aos moradores que residem em regiões periféricas da Grande Aracaju.


A desigualdade territorial, presente desde o planejamento de Aracaju enquanto capital, é reforçada a cada dia mais. Quem está nas bordas das cidades tem dificuldade para chegar à região central. A falta de diálogo e integração entre os municípios da região metropolitana dificulta a vida de quem depende do poder público: os passageiros. O Tempo perdido na viagem representa tempo de vida.  Lazer, cultura e descanso são furtados pouco a pouco, todos os dias.


A cidade que efetivamente alcança as pessoas não depende apenas de novos terminais de integração, mas de um modelo que garanta o direito ao tempo e o acesso seguro à cidade. É preciso impedir que trajetos que ocupem 37,5% do dia de uma pessoa sejam constantes, fazendo com que a mobilidade integre, em vez de adoecer.


Por: Heidy Souza e Thaisy Santa Rosa


Importante:

Nós não recebemos verbas de governos. A nossa sobrevivência depende exclusivamente do apoio daqueles que acreditam no jornalismo independente e hiperlocal. Se você tem condições e gosta do nosso conteúdo, contribua com o valor que puder.


ree

Comentários


PERI_FÉRICOS__8_-removebg-preview.png

Nosso jornalismo é feito de dentro para dentro e dentro para fora. Aqui, as pessoas têm não somente nomes e funções, mas também características e sentimentos, individuais e coletivos. Mande a sua sugestão de pauta para perifericosjornalismo@gmail.com

bottom of page