Andar de ônibus, em Aracaju, pode ser muito complicado e perigoso quando se é mulher
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Atualizado: há 3 dias
Apenas em 2024, foram registradas um total de 550 denúncias de assédio na capital sergipana
Por Mavi Pereira e Larissa Xavier

Assédio sexual é um problema que afeta milhares de mulheres em todo o mundo. Infelizmente, o Brasil não é uma exceção. Ainda que não se tenha dados exatos do tamanho do problema, sabe-se que, para as mulheres, usar o transporte público requer muito mais cuidados do que para os homens. Isso porque elas são frequentemente alvos de comportamentos masculinos inadequados, que podem se manifestar de diversas formas, desde comentários ofensivos, gestos obscenos, encostar ou esfregar o corpo em outra pessoa sem consentimento, até mesmo agressões sexuais.
Apesar de comumente ser chamado de assédio, a diretora de Proteção e Enfrentamento à Violência contra a Mulher da Secretaria de Estado de Políticas para as Mulheres (SPM), Ana Carolina Machado Jorge, esclarece que, na verdade o correto é importunação sexual, considerado um crime mais grave e que possui uma punição mais drástica, ao contrário do assédio sexual. “A importunação sexual reúne aquelas abordagens em que os homens realizam atividades desconfortáveis e não consentidas em mulheres buscando se satisfazer. São atos como encochar, se roçar, fazer com que a mulher toque em órgão no órgão sexual masculino, ele toque em parte do corpo da mulher sem haver qualquer tipo de autorização, entre outros”, enfatiza a delegada.

Nesse contexto, a profissional dá um exemplo didático sobre a diferença entre assédio e importunação sexual. O crime de assédio ocorre, geralmente, nas relações de trabalho. Dessa forma, precisa haver uma relação de hierarquia e subordinação e um constrangimento da vítima com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual. Esse delito tem como pena a detenção de um a dois anos. Já a importunação possui pena de reclusão de um a cinco anos, sendo um crime que normalmente ocorre no transporte coletivo e que tem as mulheres como principais vítimas.
De acordo com dados da instituição, os registros de importunação sexual entre os anos de 2021 e 2024 cresceram cerca de 7,6%. Nesses quatro anos, os casos de violência contra a mulher também aumentaram, sendo 1.205 ocorridos em 2021 e 1.912, em 2024, resultando em um aumento de cerca de 707 denúncias. E, apenas durante os meses de janeiro e fevereiro deste ano, mais de 1.400 casos já foram mapeados, sendo 408 apenas de importunação.
“Ser mulher em qualquer lugar é difícil”. É o que enfatiza a fotógrafa, Mariana Bispo, que já foi vítima de assédio. Mesmo antes de começar a utilizar o transporte público, ela comenta que já tinha um entendimento sobre o que era a importunação sexual, graças ao alerta passado por seus pais. Ao longo dos mais de seis anos que Mariana usa ônibus para se locomover por Aracaju, foi apenas em 2025 que ela percebeu maior segurança no transporte coletivo. “Na primeira vez que passei por essa situação, percebi que tinha um homem, que se dizia cego, que ficava se esfregando nas meninas. Sempre me senti muito desconfortável quando isso acontecia e infelizmente, quando isso ocorre, as mulheres não são devidamente ouvidas”, destacou.

ONDE A LEI PROTEGE?
Na legislação brasileira, com a aprovação da Lei de Importunação Sexual nº 13.718/2018, o assédio passou a ser considerado um crime. Além dela, a Lei Maria da Penha, nº 11.340/2006, também trata do assédio sexual como uma forma de violência contra a mulher, e aplica-se a todas as formas de agressão, incluindo a violência física, psicológica, sexual, patrimonial e moral. Em Sergipe, os casos de assédios verbais, psicológicos e sexuais são cada vez mais denunciados. O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) divulgou uma pesquisa em 2019 que mostrou que 90,3% das mulheres em Aracaju (capital de Sergipe) já foram vítimas de assédio sexual em pontos de onibus e terminais.
Uma outra pesquisa, realizada por alunos da Universidade Federal de Sergipe com 60 mulheres, mostrou que 100% das entrevistadas sentem medo, insegurança e receio ao utilizar os ônibus da capital, e que 80% delas já sofreram assédios enquanto se dirigiam para a Universidade. O choque para entender o que aconteceu, o medo de denunciar e a indignação se tornaram parte de um ciclo que só poderá ser quebrado com a aplicação correta das leis. Além de deixar as vítimas traumatizadas, também gera medo e insegurança, fazendo com que muitas mulheres evitem usar o transporte público quando não estão acompanhadas de outras pessoas nessas ocasiões.
CENÁRIO SERGIPANO
Na capital sergipana, foi aprovada uma Lei Municipal n° 5.012 que prevê campanhas de conscientização para o combate aos atos de assédio nos transportes públicos da região metropolitana. Ela presume também que o Poder Público Municipal disponha de um canal de comunicação para o recebimento das denúncias, e que as empresas de transportes passem a cumpri-la com a disponibilidade de capacitação através de cursos de instrução e prevenção no Sest/ Senat para motoristas e cobradores, voltados a orientá-los em como proceder em situações de casos de assédios sexuais e verbais.
No cenário sergipano, era raro imaginar que essas campanhas se tornaram medidas efetivas, mas, a partir de 2025, tudo mudou. Em junho deste ano, o Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros do Município de Aracaju (Setransp) e o Mais Aracaju, em parceria com a Secretaria de Estado de Políticas para as Mulheres, promoveram uma campanha estadual em combate à importunação sexual durante a época dos festejos juninos. A iniciativa buscava alertar a população que os atos de cunho sexual sem consentimento é crime e resulta em prisão. Além disso, na época junina do ano passado, o Ministério Público de Sergipe realizou a terceira edição do programa “Respeita as Minina”, que busca combater o assédio e a importunação sexual contra as mulheres nos festejos juninos. O tema de 2024 foi “no país do forró ou em qualquer chão, importunação sexual é violação”.
A Secretaria de Política para as Mulheres também tem divulgado a campanha “Não é não” que busca conscientizar mulheres e a sociedade em geral sobre esse tipo de crime. A conduta pode resultar numa prisão em flagrante e, se o homem for preso, vai ser autuado e só poderá ser liberado com fiança senda autorizada por um juiz.
PASSAGEM NÃO ME INCLUI
A estudante Gabrielle Lima já passou por uma situação de assédio. “Me senti um lixo. Já sofri com olhares, assobios, e queria me esconder, sair do ônibus. E ainda fiquei remoendo essa situação por alguns dias”, afirma. Para ela, o olhar atento para o outro é uma das formas de combater essa situação. Ter empatia, perceber e ajudar uma mulher que esteja sozinha no transporte público são essenciais para dar um passo para o fim dessas situações tão constrangedoras para mulheres de todas as idades.

Por fim, Ana Carolina afirma que casos do gênero devem ser denunciados, já que é dessa forma que o problema pode ser combatido e mitigado. “As mulheres vítimas de importunação sexual jamais devem se sentir culpadas. Caso sejam vítimas dessa violência, é importante que sejam devidamente acolhidas e registrem o boletim de ocorrência em qualquer delegacia de polícia presencialmente ou através da delegacia virtual de Sergipe”, enfatiza. Além disso, ela destaca que campanhas de conscientização são fundamentais para a prevenção primária da violência, e julgam de forma mais adequada o tipo de pena e as consequências jurídicas do crime.
Por: Mavi Pereira e Larissa Xavier
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