079 é o DDD!!!
- Gasú
- 12 de mai.
- 6 min de leitura
Conheça Ajesk, mulher preta, mãe e artista de Nossa Senhora do Socorro que representou Sergipe no Slam da Frente Nacional de Mulheres no Hip Hop

“São várias neguinha de ouro crescendo ouvindo os pipoco,
quando criança só queria pipoca
é que nem precisava tá envolvido pra ser morto,
se você bobeasse, os verme atirava nas costa.
De emprego nois só queria uma proposta,
me julgavam dos pés a cabeça e fingiam que nem me viu,
no final a história era sempre a mesma:
não estamos contratando ou você não se enquadra no nosso perfil
Por um tempo tive que me diminuir pra caber em um padrão, saca?
mas nunca me senti pertencente,
eu só queria soltar meu black,
usar minha kenner,
fumar meu baseado e ser respeitada pelos meus parentes.
Mas foda-se, eu não caio mais nessa onda,
pode falar o que quiser sou eu que pago minhas contas
Então conta pra mim quem me estendeu a mão
quando eu tava na merda, com insegurança, ansiedade e depressão?
A arte que me salvou, pulei várias catracas
e vi meus irmãos rimar no busão pra garantir na mesa o pão.
Pro Estado só existe zona sul, quem tá descentralizado que tome no c*.
Eu sou Cria da ZN eles não querem entender a potência que nós somos
e esses verso não é nem um terço do que eu tenho a oferecer
O que eu quero é reação.
E o Marcos Freire
Piabeta, Albano Franco, Fernando Collor
Ninguém sabe ninguém ouve ninguém vê
Ninguém sabe ninguém ouve ninguém vê
Ninguém sabe, ninguém ouve, ninguém sabe, ninguém ouve,
ninguém sabe ninguém ouve, ninguém vê
E várias outras quebradas que estão situadas em Serigy
as terras manchadas de sangue
Onde branco roubando é cleptomania, e preto fazendo arte eles chamam de gangue.
Encarceramento em massa ocupa números alarmantes,
babilônia desgraçada não sentimos o aroma das flores,
mas só vemos nos muros os arames.
As pretas da cena diamante bruto,
lapidada só minha caneta com meus versos,
então vai, bate de frente pra tu ver,
o que eu falo eu faço acontecer,
queriam tanto saber de onde vem essa putona:
079 é o DDD!!!”
O poema acima foi escrito e declamado por Jéssica Santiago Batista (Ajesk), vencedora da última edição do “Slam da Frente”, realizada durante o 10º Fórum Nacional de Mulheres no Hip Hop, no município de Paripe, Bahia, entre os dias 1º e 4 de maio. O Fórum foi criado em 2010 pela FNMH2, é um encontro itinerante que reúne mulheres e coletivos de todo o país para fortalecer a cultura hip hop. Após edições no Sudeste e em Sergipe, o evento chega agora à Bahia.
No dia 2 de maio, dez poetas classificadas de diferentes estados do país ocuparam o pátio da Escola Fernando Presídio com muita alma, expressão, vozes e visões pluriversas de suas vivências e territórios. Ajesk, classificada por meio da edição de 7 anos do Slam do Mangue, realizada em abril, levou — e elevou — o nome de Sergipe durante o campeonato de poesia em solo baiano.

Com apenas 24 anos, Ajesk vive um paralelo entre a maternidade de Jamal (sua cria), a atuação como técnica de enfermagem e a imersão no mundo da arte, que vai da dança à performance como MC, passando por sua atuação como slammaster, arte-educadora, modelo e produtora de eventos culturais, como o Slam do Mangue e o Baile da Massa.
Além de atuar em diversas frentes, Ajesk também empreende com a Ewá Acessórios, seu maior trunfo: uma marca que vem ressignificando a moda urbana, periférica e ancestral em Sergipe, por meio de uma estética maximalista, autêntica e carregada de identidade.
Por meio da arte, Ajesk constroi referências para as suas na quebrada. A “mammy” rejeita e subverte estereótipos, consciente de que é muito maior do que as projeções e os lugares impostos pelo sistema e pela sociedade à mulher preta periférica, especialmente quando essa é uma mãe solo.
Confira a entrevista com Ajesk, uma preta potente que utiliza a arte em suas múltiplas linguagens para se reconectar com sua identidade, empoderar e inspirar outras “minas”, denunciar violências estruturais e romper com os padrões socialmente impostos às mulheres das periferias.
Periféricos: Quando “Ajesk” precisou vir à tona? Você sente que foi uma retomada de autonomia e autoestima? Uma ruptura com padrões antigos?
Ajesk: Totalmente. Nunca me senti pertencente à caixinha onde o sistema e a sociedade queriam me colocar. Sempre senti que era muito mais do que projetavam para mim.
Periféricos: Como se dá sua relação com a escrita, a arte, a poesia? De onde vem sua inspiração?
Ajesk: Minhas poesias surgem no freestyle. Muitas vezes estou na garupa de um Uber Moto, e os versos vêm na cabeça — vou digitando direto no bloco de notas. Minhas inspirações são as minhas vivências e, as das minhas. Me inspiro nas mães pretas fodas que vejo no corre louco para sobreviver. São elas que me fazem escrever.
Periféricos: Como você enfrenta o desafio de ser mãe e artista?
Ajesk: Nunca foi fácil. Muitas vezes estive com meu filho recitando nos palcos, nas praças... Apesar de Jamal ser o que me impulsiona, a sociedade não foi feita para mães — ainda menos para mães artistas. É uma luta diária.
Periféricos: Participar do Slam do Mangue contribuiu para sua retomada artística? Qual foi o papel desse movimento?
Ajesk: O Slam do Mangue tem um peso imenso na minha retomada. Amo demais esse coletivo e a forma como acolhem e impulsionam poetas marginais. Mais do que isso, impulsionam artistas que estão à margem, buscando ascensão.
Periféricos: Qual o significado da vitória no Slam da Frente Nacional para você?
Quando ganhei o estadual e soube que iria representar Sergipe no Fórum Nacional, entendi que a maior vitória seria conseguir me expressar com toda a força da minha oralidade — e eu consegui. O título é importante, sim, ainda mais por trazer ele para Sergipe. Mas o mais incrível foi ver o brilho nos olhos das minhas quando me viam recitar. A vibração delas vale mais que o troféu.

Periféricos: O que esses novos caminhos significam para você como mulher preta, mãe e artista?
Ajesk: É visibilidade. É mostrar para as autoridades que, em Nossa Senhora do Socorro, existem artistas capazes de vencer competições nacionais. É mostrar que a margem pulsa, vive e cria.
Periféricos: Você passou por um momento de pausa. Como foi esse processo e o que diria para outras mulheres que vivem o mesmo?
Ajesk: Teve um momento (que ainda estou superando) em que pensei em parar. Conversei com Sabá, uma mulher que me inspira muito, e ela me disse que eu voltaria. Que a escrita era minha. E ela estava certa. Um tempo depois, me inscrevi no estadual e nunca mais esqueci disso. O maior obstáculo era eu mesma, e eu me ultrapassei. O que eu diria para outras manas: se for necessário, pausem. Vocês continuam sendo artistas. A arte é o que vocês vivem, não só o que vocês fazem. Pausem, respirem, e voltem com toda a força.
Periféricos: Qual foi o impacto do Fórum Nacional na sua trajetória?
Ajesk: Esse foi meu segundo Fórum Nacional. É sempre um divisor de águas. Volto com saudades e com uma vontade enorme de meter marcha nos meus projetos. Estar com mulheres tão potentes me deixa feliz e me dá coragem.

Periféricos: E sobre a delegação de Sergipe no Fórum?
Ajesk: A delegação sergipana foi a maior do evento. E além disso, fomos muito elogiadas pelas nossas vivências dentro do Fórum. Em Sergipe há mulheres muito potentes, no corre, há tempos. Sabemos que, pra nós, o caminho é sete vezes mais difícil, mas a gente desembola da melhor forma. Tenho muito orgulho de vir de onde venho — e ainda mais orgulho das que vieram antes de mim, abrindo caminhos.
Periféricos: Como você sentiu a energia do momento em que se apresentou?
Ajesk: Foi muito louco. Senti a vibração na quadra, senti a energia daquelas mulheres percorrendo todo o espaço. Senti o axé e a presença dos meus guias me impulsionando, mostrando que posso mais.

Fotos e texto: Gasú
Edição das fotos: Gasú
Supervisão: Tatiane Macena
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