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Coletividade e representatividade: Slam do Mangue movimenta o bairro 17 de Março com arte e cultura de rua

Foto do escritor: Tatiane Macena Tatiane Macena

Atualizado: 30 de set. de 2024


Foto: Thay Rocha/2018


Lançado em 7 de abril de 2018, o Slam do Mangue é uma competição de poesia falada que dá palco à criatividade local, fruto do trabalho coletivo de jovens, que se inspiram em iniciativas semelhantes pelo Brasil e pelo Nordeste. O projeto nasceu da colaboração da juventude dos bairros Santa Maria e 17 de Março, em Aracaju, que integraram o movimento social Levante Popular da Juventude e queriam mobilizar a comunidade com a arte de rua.


No slam, os participantes apresentam suas produções autorais, compartilhando rimas, melodias e reflexões sobre a realidade em que vivem. Com tema livre, o evento sempre foca em vivências reais e percepções pessoais, buscando transformar a rebeldia em palavras e ações, promovendo movimento, protagonismo, arte e cultura na periferia. A performance, confiança e a  poesia têm um peso significativo na nota final de cada competidor.


O nome do grupo faz referência à cultura e a presença do ecossistema manguezal do estado de Sergipe. O grito que hoje soa como “A poesia lava a alma para não escorrer meu sangue", já foi ‘Guerreira Conceição, João Mulungu, eu sou mais um que clama liberdade’. Que não rimava, mas citava duas lideranças, uma masculina e uma feminina, que lutaram para que estivéssemos aqui hoje e pudéssemos continuar avançando”, disse a produtora cultural e slammer Sabá.


Para eles, é vital que a comunidade, principalmente as crianças, entendam que cada um é capaz de contribuir e que a cultura é um espaço, no qual todos podem e devem estar inseridos. É também a partir do espírito coletivo que os integrantes do Slam do Mangue demonstram a importância política de eventos que envolvem a arte de rua, ao abordar questões que diversas vezes são invisibilizadas na periferia.


“O impacto disso se reflete na forma como começamos a olhar o mundo. Quando estamos juntos, compartilhamos talentos, pensamentos e ideologias, além de trocas afetivas. Isso faz parte da formação do coletivo. Queremos o melhor para os nossos, e dentro dessa construção, o que realmente importa é essa vivência política, de sermos políticos no mundo”, ressalta a produtora cultural e estudante de serviço social da Universidade Federal de Sergipe, Julia Correia.


“Slam é a denúncia, que através da pronúncia, alimenta a rebeldia da companheirada”, recitou o poeta Tiago Lumes na primeira edição do Slam do Mangue (Vídeo arquivo)


Para o produtor  Kelvyn Rodrigues, além de fortalecer um processo coletivo, o Slam do Mangue incentiva o protagonismo, arte e cultura. “Esse processo é de extrema importância, pois na prática reforça os laços comunitários e serve de inspiração para a realização de ações positivas de transformação no contexto das periferias dos centros urbanos”, ressaltou.


Quando os jovens fizeram a primeira edição do Slam do Mangue no bairro 17 de Março, a comunidade, de forma calorosa, parou para ouvir as reivindicações da juventude e participou do evento. O que foi primordial, pois para o grupo, sempre foi essencial o envolvimento dos moradores, não apenas como espectadores, mas como co-produtores de cultura e reconhecesse a potência e importância na produção cultural da periferia.


Apesar da tentativa  de levar mais cultura para a localidade ter dado certo, com um tempo, outras responsabilidades foram surgindo para os realizadores e a atividade do slam no bairro 17 de Março precisou ser pausada.  Cada integrante  foi assumindo suas demandas e consequentemente, as  atividades cessaram por um tempo. Mas o desejo de fortalecer a cultura através do projeto  permaneceu vivo. 


A retomada

Após a interrupção das edições,  Sabá, que é uma das idealizadoras, passou por um breve bloqueio criativo. Ela chegou a não querer mais nada relacionado a arte em sua vida, mas os seus colegas sabiam o quanto era importante insistir. Ao refletir sobre o valor emocional e cultural que o Slam representava, o produtor cultural Kowalski, chamou Sabá e alguns membros, que estavam envolvidos desde 2018 com o movimento do Slam do Mangue. A slammer conta que inicialmente negou o pedido, pois naquele momento, só ‘queria existir em paz’.


No entanto, Kowalski sabia do desejo de mudança existente em Sabá e no restante de sua equipe. Então, insistiu, até que Sabá mudasse de ideia  “Um dos motivos foi movimentar o bairro, mais precisamente o 17 de março, a comunidade estava sem esse diálogo direto entre juventude, e população, entre o novo e diferente, onde a poesia com toda certeza traria novamente à quebrada, outras discussões, outras ideias e informações, que foi justamente os feedbacks que a gente recebeu”, ressaltou sobre o que o fez insistir.


Sabá refletiu sobre como, sozinha, não seria capaz de se movimentar de determinadas maneiras. Então, decidiu mudar de ideia e, após um período de bloqueio criativo, voltou a escrever. Ela chegou até a participar de um slam, o qual não venceu, mas foi importante para que ela voltasse a querer a arte em sua vida. Ela lembra de como não só o incentivo de Kowalski foi importante, mas também o de outros companheiros como o de Julia e Ajesk. 


“Nesse meu processo de retomada Júlia foi muito importante, porque quando eu não queria existir ela queria que eu existisse. Ela foi uma das pessoas que não esqueceram que tinha um artista aqui, que sabia que tinha uma potência aqui. Todas as vezes que ela me via, dizia: Sabá, conversa com Kowalski e vamos fazer”, relembra.


A 5ª edição, realizada em 4 de agosto, trouxe competições, pockets shows e um palco aberto, oferecendo espaço para os talentos do bairro e qualquer pessoa disposta a compartilhar sua arte. O processo de retomada foi difícil. Apesar de acharem que seria simples, a equipe estava tentando desde abril e só conseguiu progredir em agosto, enfrentando diversos desafios. Embora o desânimo às vezes surgisse, todos estavam dispostos a seguir em frente, mesmo sem recursos, buscando soluções.



A poesia é uma força interna que se transforma em ação, revelando seu poder para quem se concentra na voz e no corpo do(a) poeta. Fotos: Orokana


Um projeto coletivo /nós por nós 


Um princípio fundamental do Slam do Mangue é a coletividade, que estabelece conexões e trocas significativas, incentivando o crescimento tanto individual quanto coletivo. A poesia, nesse contexto, é utilizada como uma ferramenta poderosa de engajamento social e transformação da realidade. Para Kelvyn, o jovem se reconhece ao ver outro jovem, “independentemente de serem da mesma quebrada, e que isso serve como uma referência".


Ele acredita muito nos poetas e produtores culturais que estão se esforçando para fazer o Slam do Mangue acontecer. “A cultura é uma forma de resgatar as pessoas de seus infernos pessoais por meio do lazer e da educação. É um resgate de um povo que, a cada metro quadrado dessa grande periferia, costuma ver muito mais o mal do que o bem”, disse Kelvyn. Os integrantes do Slam do Mangue vivem no coletivo e  incentivam a trajetória de cada um.  


“As pessoas que estão nesse coletivo hoje foram pessoas que me enxergaram e não me esqueceram.  Kelvyn foi uma das primeiras pessoas a acreditar em mim, quando eu era adolescente e ainda não me reconhecia como artista. Ele foi fundamental para a minha caminhada, tanto como artista quanto como pessoa. Ajesk continua ao meu lado; trabalhamos juntas em projetos e escrevemos juntas, choramos juntas, Kowalski é uma pessoa que incentiva”, Sabá sobre como as pessoas do coletivo fazem parte da sua trajetória.


“A gente sempre acha que está sozinha, que tem dores solo, mas em coletivo somos fortalecidos. quando vamos além da individualidade, criamos uma conexão mais profunda”, disse Sabá. (Foto: Orokana)


Quando estão juntos, os integrantes do Slam do Mangue  pensam em conjunto, trazendo diversas ideias e a vontade de colocá-las em prática. No grupo, cada um tem sua importância e seu jeito de contribuir, servindo como ponto de força para os outros.  Apesar das dificuldades para tornar a retomada realidade, o coletivo estava se fortalecendo e se comunicando, e que não deveriam desanimar, pois tinham potencial para alcançar seus objetivos. A produtora cultural Julia Correia acredita que seu ser individual não atua enquanto um ator social político. Para ela, viver bem é viver em coletivo.


“A importância de estar no slam do Mangue, reside na coletividade. Viver bem é fazer algo em prol do coletivo. Eu posso ser coletiva, estar em um coletivo, me aquilombar através dele, desenvolver um segmento antirracista e, inclusive, ser mais feminista. Isso com um olhar voltado para o Brasil, para o nosso Nordeste e para todas essas minorias que são deixadas de lado”, pontua .


sementes


Atualmente, o grupo se prepara para levar a poesia e a arte às instituições de ensino, com o objetivo de mostrar seu poder transformador e educativo. Já existem movimentos nesse sentido, mas os slammasters  querem levar o slam para as escolas como uma verdadeira ferramenta de transformação. Samanta(Sabá), que é estudante de pedagogia da Universidade Federal de Sergipe(UFS), sempre teve esse desejo, e agora se anima em dizer que ele está se tornando real, pois ela sabe da importância de ocupar esses espaços. 


“Queremos levar essa iniciativa enquanto coletivo, para que as crianças se vejam como protagonistas de suas próprias histórias. Nós tivemos a capacidade de contar nossa história roubada de nós, e é fundamental que isso mude”, enfatiza. Para ela, levar essa proposta para dentro das instituições de ensino é uma oportunidade incrível, não só para as crianças, mas também para adolescentes e adultos, como aqueles do EJA. "É uma chance para que todos possam se enxergar como escritores e se expressar”, enfatiza


As crianças devem se ver como talentos e reconhecer seu protagonismo, muitas vezes negado. (foto: arquivo)



Por Tatiane Macena


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