Foto: arquivo pessoal
Thayná Lima Santos, 14 anos, conhecida como “Cabeça”, é uma atleta de futebol e futsal sub-14 que se destaca em ambos os esportes. Jovem e sagaz, ela ganhou o apelido por sua atitude. Nascida em Aracaju, Thayná passou parte da infância no bairro Santa Maria. Após a separação dos pais(Thayara Lima de Souza e Michel Lucas Nascimento), ela se mudou com a mãe para Farolândia, onde começou a jogar futebol com seus primos.
No início, jogar bola era apenas uma brincadeira para Thayná, que começou aos oito anos de idade, incentivada por um colega de escola, João Vitor. Ele viu potencial nela e lembrou que seu pai era treinador da escolinha de futebol Pequenos Vascaínos. Então, pediu à mãe de Thayná que falasse com o pai dele. Assim, Thayná ingressou na modalidade esportiva. “Ele veio falar comigo pedindo: ‘Tia, deixa ela entrar na escolinha, por favor. Vou falar com meu pai.’ Daí, eu permiti que ela fizesse alguns testes”, conta a mãe.
Vaidosa, Thayná não me permitiu tirar fotos antes que ela pudesse se arrumar. Ela é evangélica e costuma cantar na igreja. “Geralmente, passo meu tempo na igreja. Eu me batizei em 15 de junho de 2022, cinco dias depois do meu aniversário. A partir dali, realmente conheci o verdadeiro evangelho. Antes, eu não conhecia", disse Thayná.
Dedicada, ela costuma correr atrás de seus objetivos com determinação. Duas coisas que ela não gosta muito: ler e fazer tarefas domésticas (é preciso pegar no pé). Quando estuda, é para ser aprovada, e faz as tarefas domésticas para ajudar a mãe. Fora isso, costuma mexer no celular, e na maioria das vezes está assistindo a vídeos nas redes sociais relacionados ao futebol.
Na vida de Thayná, nenhum hobby se compara à sua paixão pelo futebol. Mas nem sempre foi assim. No início, tudo era apenas uma brincadeira, mas, com o passar do tempo, isso se tornou algo sério. Após ouvir de várias pessoas sobre suas habilidades e com a chegada da maturidade, ela percebeu que o futebol era o que realmente queria para sua vida. "Eu percebi que me encantava, era algo diferente, e eu quis para mim, para o meu futuro. Quando jogava, as pessoas comentavam que eu jogava bem, e isso foi criando algo dentro de mim," diz a garota.
“Precisamos insistir muito para ela cantar, principalmente quando há uma câmera envolvida. Pedimos direto para gravar, mas é bem difícil. Nesse dia, prometi algo para ela”, Thayara sobre a gravação em que canta junto com a filha. (Vídeo: reprodução/Facebook)
Meninas brincam de boneca e também de bola
Em uma sociedade patriarcal em que se dita o tempo todo o que as mulheres devem ou não fazer, meninas também sofrem. Na infância, Thayná costumava brincar tanto com os meninos, quanto com as meninas, o que gerava estranhamento por algumas pessoas. Entre elas, uma mulher que se encarregava de sua tutela enquanto sua mãe não estava. Diversas vezes, o telefone de Thayara tocava pelo mesmo motivo.
“Ela ligava pra minha mãe que estava no trabalho dizendo: ‘sua filha já está brincando de bola de novo com os meninos em pleno meio-dia. Deixo?’ Porque ela deixou de brincar com as meninas'. É claro que eu ficava chateada e a minha mãe nunca me proibiu de jogar”, relembra Thayná. Um outro fato ocorreu na escola, (ainda na fase do fundamental I), um professor de educação física não a deixava jogar, por medo (talvez machismo também) de que a garota se machucasse.
Antes, havia uma professora, que permitia que Thayná jogasse com seus primos, os quais estudavam na mesma escola, durante o recreio e na aula de Educação Física. Com a troca de professor, as meninas e os meninos começaram a brincar separadamente. As meninas somente podiam jogar queimado e pular corda, e o novo professor proibia Thayná de jogar com os meninos.
Thayara conta que diversas vezes, a garota chegou em casa chorando, pois o professor não a permitia jogar. “Ela chegava em casa azeda, reclamando: ‘mãe, o professor não deixa eu jogar bola com os meninos’. Eu tive que ir à escola para que o professor permitisse que ela jogasse, embora ela já jogasse na rua com os primos”, conta Thayara Lima.
“A minha mãe foi chamada na escola, para autorizar eu jogar com os meninos. Na verdade, não era isso que ele queria. Lembro que ele não me deixava jogar com eles, porque ele pensava que eu, sendo menina, não conseguiria jogar com os meninos que eram mais brutos”, desabafa.
Eu brincava com os meninos e com as meninas, eu brincava de tudo, mas eu gostava mais do futebol (fotos: arquivo pessoal)
Thayná conta que, entre os primos, no Saquinho, lugar onde passou parte da infância, se via constantemente dividida entre o ‘grupo das meninas' e o ‘grupo dos meninos’. "Queriam que eu brincasse só com as meninas, mas eu queria brincar com os dois. Inclusive, as meninas diziam que eu era falsa por trocar elas para jogar com os primos, mas às vezes elas só ficavam sentadas batendo papo enquanto os meninos jogavam."
Thayara, recorda a interação da garota com os brinquedos e comenta que, embora sua filha tivesse bonecas, nunca gostou de brincar com elas como gostava de bolas. “Quando fiz seu aniversário de um ano, percebi que ela ficava muito mais feliz ganhando roupas do que bonecas. Ela realmente preferia bolas e roupas. No feriado do Dia das Crianças, quando as pessoas davam brinquedos, ela chorava ao ganhar bonecas e preferia trocar por uma bola”, conta a mãe de Thayná.
Do futebol ao futsal
Como mencionado no início, o primeiro clube de Thayná foi os Pequenos Vascaínos, do qual ela saiu apenas porque teve que se mudar com sua família devido à pandemia da Covid-19, período em que sua mãe engravidou de seu irmão mais novo, Theo, que agora tem 4 anos. Ao retornar ao bairro Santa Maria, Thayná começou a procurar uma escolinha de futebol e soube, por uma colega, Shay, que o clube Nova Esperança estava em busca de meninas para formar um time feminino.
Multi talentosa, consegue jogar em várias posições em ambos esportes. No futebol, ela joga no meio campo feminino e lateral no masculino. Já no futsal, Thayná joga de ala. Seu treinador, Rony Aruba, evidencia o talento de sua atleta. “onde ela chega chama atenção, o foco é nela. Inclusive, a gente foi para um amistoso em Salvador contra o Camaçari, e ela foi destaque lá também”, salienta.
Além de defender o clube Nova Esperança e o colégio Ômega no futsal, Thayná joga futebol ocasionalmente pelo Deportivo Feminino. (Fotos: arquivo pessoal)
Aruba destacou que Thayná se sobressai em todas as categorias em que compete. "Atualmente, ela está jogando em uma categoria acima da sua idade, que é de 15 anos, no time adulto feminino. No masculino, é titular no sub-15. Ela se destaca tanto no campo quanto no futsal, a ponto de termos formado um time de quadra. Essa jovem tem chamado a atenção de muitos empresários, que já vieram conversar comigo", salienta.
Ele não é o único a destacar a habilidade da adolescente. Thayara conta que o professor do colégio Ômega, instituição que Thayná passou a defender após conquistar uma bolsa por meio do esporte, também falou do talento da sua filha. “O professor da escola onde ela estuda já me disse que ela tem talento para ir longe. Nem sei como preparar o psicológico ainda”, diz a mãe da atleta.
José Nivaldo (Vado), primeiro professor de Thayná, conta que ela sempre foi atenta e teve uma boa evolução no Vasquinho. “Observamos seu desempenho em campo, jogando com os meninos, e percebemos que ela tinha uma qualidade diferente. Começamos a trabalhar com ela para que pudesse se destacar ainda mais. Ela sempre buscava evoluir e gostava de treinar, o que é fundamental para um atleta”, destacou seu ex-professor.
Pioneira, Thayná foi a primeira menina a ingressar no seu antigo clube, o Pequenos Vascaínos. O mesmo ocorreu no Nova Esperança. "Nós não tínhamos um time feminino, mas, através dela, várias meninas se interessaram pelo futebol na comunidade. Ela foi pioneira no nosso futebol", disse Rony Aruba, treinador do Nova Esperança.
“Sou muito grato por poder encaminhá-la para outras equipes. Ela foi a primeira menina do Vasquinho”, disse Vado, ex-jogador profissional e primeiro professor de Thayná. (fotos: arquivo/Tatiane Macena)
O preconceito como adversário
Com oito anos, Thayná passou pela sua primeira situação de preconceito. Um menino que estudava na mesma escola que ela a apelidava de “sapatinha”. A garota escreveu uma carta para ele dizendo que não gostava daquela situação, mas não chegou a entregá-la, e sua mãe a encontrou. Ao se deparar com a carta, Thayara decidiu ir à escola e levar a situação até a coordenação, que chamou os pais do menino para uma conversa sobre o ocorrido, que não se repetiu.
Em outra ocasião, durante uma competição em que Thayná participou tanto na categoria feminina quanto na masculina, um policial militar responsável pela segurança do evento a avistou encostada na grade junto com os meninos. “Do nada, ele se aproximou e começou a falar: 'Ah, você é menina e também estava jogando; minha filha também jogava, mas eu disse que ela deveria desistir e focar nos estudos, porque não via futuro nisso. Ele achava que eu deveria procurar algo que ‘trouxesse dinheiro’. Na hora, não respondi, mas agora reflito sobre o preconceito”, compartilha sobre a situação.
A atleta conta que, na época, não deu muita importância e lembra que, quando era pequena e jogava na rua, as mulheres costumavam olhar para ela de forma estranha e até a chamavam de ‘moleque macho’, ‘maria homem' e outros nomes. Quando cresceu e passou a jogar na quadra, algumas pessoas a chamavam de sapatão, mas ela preferia focar no resultado e não dava muita importância.
Thayná não pretende parar por causa de comentários negativos e sabe que só cabe a ela decidir se deve ou não continuar jogando. Além disso, afirma que, na maioria das vezes, é incentivada e não criticada. “Acho que algumas pessoas já se acostumaram a me ver jogar com meninos e meninas, mas isso depende de cada um, né? Sei que nem todo mundo se adaptou, porque fico surpresa quando percebo alguém me olhando de forma paralisada. No final das contas, geralmente recebo mais elogios do que críticas”, ressalta.
Nós mulheres, recebemos tantos olhares tortos por jogar bola, mas isso não vai me fazer desistir. Um dia, quero chegar à seleção brasileira. (Foto: arquivo pessoal)
Por Tatiane Macena
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