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Economia e empoderamento periférico

Atualizado: 3 de fev.

Feirinha das quebradas incentiva o empreendedorismo e fortalece a economia sergipana



Mais que um ponto de venda, a Feirinha das Quebradas é um movimento de empoderamento feminino, principalmente para as mulheres negras e periféricas. Além de ajudar na geração de renda, o evento criado pela produtora Ariane Trindade fortalece a autoestima e valoriza a economia local, criando um ciclo de apoio e crescimento para as comunidades negras e periféricas. 


A Feirinha foi criada em 2019, como uma resposta à necessidade de muitas mulheres, especialmente mães solo, gerarem uma renda extra. Ariane, que já comandava um brechó, percebeu a oportunidade de expandir seu negócio e criar um espaço de empreendedorismo para outras mulheres residentes de áreas periféricas. 


Com a colaboração da produtora Jhully Souza, que esteve com Ariane desde o início, o evento ganhou força, realizando edições no Porto Dantas, uma versão online durante a pandemia, além de uma edição especial no Projeto Verão em 2020. A Feirinha tem como missão não só ajudar as empreendedoras a vender, mas também capacitá-las para que elas compreendam como promover seus produtos nas redes sociais. 


Ao longo dos anos, a Feirinha se transformou em um espaço de intercâmbio cultural e econômico, destacando a identidade e a cultura periférica.  Após algumas edições Ariane, que tocava outros projetos, precisou focar em outras áreas da sua vida e Jhully seguiu com a organização da feirinha das quebradas.


Atualmente, além de Jhully, a produtora cultural Rita Avelar atua na organização do evento para continuar incentivando o empreendedorismo local. A Feirinha das Quebradas desempenha um papel crucial, ao atuar como um ponto focal de enriquecimento cultural para as comunidades negras e periféricas.


No próximo sábado, dia 8 de fevereiro, a 6ª edição ocorre na rua A4 do bairro Santa Maria. Para falar mais sobre esse evento que desempenha um papel crucial na economia periférica, o Periféricos conversa com as organizadoras Jhully Souza e Rita Avelar.


Jhully(à esquerda) é  mulher preta e periférica, é co-criadora da Feirinha das Quebradas e fundadora do Coletivo Espaço Criativo. Rita(à direita), mulher negra e candomblecista, iniciou na produção cultural com o evento Da Ponte pra Cá. Juntas, elas fortalecem a cena cultural de Aracaju. (Foto: arquivo pessoal)
Jhully(à esquerda) é  mulher preta e periférica, é co-criadora da Feirinha das Quebradas e fundadora do Coletivo Espaço Criativo. Rita(à direita), mulher negra e candomblecista, iniciou na produção cultural com o evento Da Ponte pra Cá. Juntas, elas fortalecem a cena cultural de Aracaju. (Foto: arquivo pessoal)

Periféricos: Por que focar coletivamente em mulheres pretas e economia?


Rita: Nosso público é majoritariamente formado por mulheres negras, mães solo e moradoras das periferias. A ideia surgiu da necessidade de Ariane comercializar seus produtos de forma independente. A partir dali, outras empreendedoras começaram a surgir. Hoje, a gente vê várias artesãs, pessoas que vendem roupas, brechós, e outros produtos. A economia criativa ganhou força, e isso trouxe uma injeção de poder para a comunidade. A gente não precisa mais ir só ao centro da cidade para comprar uma roupa ou um brinco. Sabemos que aquela mana ou aquele mano estão vendendo produtos com a mesma qualidade e valor de mão de obra. Percebemos que esse público só cresce, especialmente entre as mulheres e mães solo. Quando a gente chama essas mulheres para vender na feirinha, é uma forma de dar visibilidade ao trabalho delas e também à feirinha, tanto no aspecto cultural quanto na economia criativa.


Jhully: Quando a gente fala sobre isso, sempre voltamos ao mesmo eixo: o que a periferia produz. Dentro da periferia, existe um eixo de mulheres e homens negros que produzem tanto serviços quanto produtos, e isso pode ser monetizado. Se a gente consegue fomentar isso dentro da comunidade, é um ganho enorme. A gente sempre fala da importância do marketing, de as pessoas saberem o que está sendo vendido ali. Por que não comprar de algúem da comunidade em vez de ir a uma loja de uma marca já consolidada? Por que não incentivar aquela pessoa que está do nosso lado? Muitas vezes, essas pessoas estudaram, fizeram faculdade ou têm um dom criativo, como Ajesk, que faz uma coleção incrível de produtos. Quando a gente faz uma edição da feirinha, o alcance é enorme. 

 

Periféricos: A Feirinha das Quebradas tem um lugar fixo, ou acontece onde tiver periferia?


Rita: A gente acaba concentrando o movimento aqui na região[Santa Maria e Orlando Dantas], mas a ideia é que ela se expanda. Por exemplo, esse ano, no Agora é Vera, a gente percebeu que a comunidade também ganha com a feirinha, não só os empreendedores que participam. A comunidade começa a perceber que pode fazer parte de um evento como esse, conhecer algo diferente. A ideia é expandir os locais, mas a nossa maior concentração ainda é no Santa Maria, tem vários espaços aqui que a gente ainda não explorou totalmente. Mas vamos trabalhar de pouquinho a pouquinho. Esse ano, inclusive, peguei o depoimento de uma mulher que tem uma venda. Ela falou que o festival é o momento em que ela mais vende. Às vezes, no mês, ela não consegue vender nem um pacote de farinha, algo simples. Mas durante a feirinha, ela vende salgadinhos, cerveja e até um cafézinho. Ela ficou super feliz de ver um evento como esse acontecendo no bairro dela, algo que não é comum por aqui.


Jhully: É engraçado você falar isso, porque a gente tem que pensar que já criamos um diálogo direto com a comunidade do Santa Maria, por conta dos anos de feirinha e por já sermos conhecidos lá. Isso permite que a gente amplie o trabalho e faça com que as pessoas se sintam parte do evento. Esses eventos são feitos para inserir a comunidade no Santa Maria. Se a gente for deslocar a feirinha para outro lugar, vai ter que reiniciar o jogo. A gente gosta de criar um vínculo com a comunidade antes de fazer qualquer trabalho. Seria muito fácil chegar, fazer a feirinha, ganhar o que tiver que ganhar e ir embora. Mas aí, o que a gente estaria deixando de contrapartida para aquela comunidade? A gente sempre pensa nisso. Tem gente que fala que a gente é muito "bairrista", mas na real, a gente quer saber o que vai deixar naquele lugar. O branco já faz isso de chegar, tomar, pegar e sair. A gente não quer fazer a mesma coisa.


Periféricos: Então a feirinha começou no Porto Dantas e hoje está no Santa Maria?


Jhully: O sarau que era feito perto da Casa de Ariane. Era mais fácil fazer lá porque tinha quem guardasse tudo. Como iamos guardar 20 barracas? É difícil, é uma estrutura enorme. Então, era mais fácil deixar lá e fazer acontecer. Por exemplo, a gente tem custos para promover a feirinha, mas repassamos para os empreendedores. Pensamos em diminuir esses gastos, aproveitando o que já estava disponível. Quando assumi, fazia a feirinha no Santa Maria, onde morava. Era mais lógico manter a estrutura lá e reduzir os custos, principalmente pela questão logística.



A identidade visual da Feirinha celebra a força das mulheres, a diversidade das quebradas e a resiliência da periferia. (Design: Dalvam Dexter)
A identidade visual da Feirinha celebra a força das mulheres, a diversidade das quebradas e a resiliência da periferia. (Design: Dalvam Dexter)

Periféricos: Na visão de vocês, o que seria a economia criativa? 


Rita: A economia criativa surge do propósito de comercializar um produto e gerar renda, não só para quem está comercializando, mas também para a comunidade em que está inserida. Resumidamente, é a junção de cultura e dinheiro em um mesmo espaço. Quando falamos de cultura, muitas vezes romantizamos: música, dança, algo bonito e inspirador. Mas há outro lado, que é o financeiro. Como a gente falou aqui, tem todo um processo de pré-produção, produção e pós-produção. A economia criativa gira em torno disso: quais serviços estamos prestando, quais vamos contratar, quais produtos vamos comprar. Não estamos só gerando economia para nós, mas para o estado e para os empreendedores.


Periféricos: Então a economia criativa não é só sobre valorizar a criatividade? 


Jhully: É também, mas é mais profundo do que parece. A forma como é abordada ainda é muito superficial. Por exemplo, tudo que viraliza no Instagram acaba sendo distorcido. Economia criativa não é só feirinha, como muitos pensam. Feirinha é só uma parte. Se você faz um espetáculo de dança, a costureira que fez o figurino, a linha, o botão, tudo isso é economia criativa. Tudo que você monetiza a partir da sua criatividade, seja produto ou serviço, é economia criativa. É o poder de transformar o que está na sua cabeça em algo concreto e rentável. A gente potencializa isso na Feirinha das Camadas, mas ela não é o único meio.


Periféricos: Como a feirinha ajuda na capacitação das pessoas que vão expor?


Jhully: Desde o início, sempre trabalhamos com formação. Ajudamos as pessoas a entender o que é empreender, como monetizar o que fazem. Temos tiazinhas que fazem coisas incríveis, mas não sabem o que é uma caixa inicial. Dessa vez, vamos focar em oficinas de marketing e edição de vídeos para redes sociais, porque hoje em dia, se você não tem noção de marketing, fica difícil se destacar. Usamos nossas redes sociais para ampliar a visibilidade delas. Seguimos todos os expositores e divulgamos seus trabalhos. A ideia é que, além de vender na feirinha, elas saiam com um mínimo de conhecimento para continuar crescendo.


Rita: Vamos ofertar oficinas de marketing para que elas possam trabalhar melhor suas redes. Muitas têm trabalhos incríveis, mas não conseguem divulgar por falta de tempo ou conhecimento. Hoje em dia, se você não tem noção de marketing, fica difícil se destacar. A gente também vive isso: fazemos projetos, marketing, logística, e às vezes falta só cantar! É um desafio, mas é essencial para alavancar os negócios. Estamos focando em oficinas e workshops para ensinar técnicas de marketing digital, edição de vídeos e gestão de redes sociais. A ideia é que elas possam vender não só na feirinha.


Periféricos: Como o Marketing ajuda as expositoras em questão de visibilidade e representatividade?


Jhully: Muitas que já passaram pela Feirinha têm se destacado. A Ewa acessórios, por exemplo, são produtos voltados para mulheres periféricas. Você não vê uma mulher branca da zona sul usando aqueles brincos grandes. É um estilo que valoriza a estética periférica, especialmente para mulheres negras, que gostam de se sentir lindas. É uma forma de expressão, seja na cabeça, na cintura ou nos brincos. Mas como ela pode passar esse conhecimento para outras pessoas? Além disso, há estereótipos negativos em torno de alguns produtos. Por exemplo, temos uma menina, Priscila Neres, que é poetisa e também tem uma tabacaria. Tabacaria ainda é mal vista em muitos lugares, associada apenas ao uso recreativo da maconha. Mas não é só isso. Hoje, muitas pessoas usam cannabis para tratamentos médicos. Como incluímos essa pauta da cannabis no marketing? Como ela pode abordar esse assunto no trabalho dela, de forma séria e informativa, para que as pessoas entendam e respeitem? É sobre alcançar não só a periferia, mas também outros públicos, ampliando o alcance desses produtos.


Na feirinha das quebradas a periferia tem a oportunidade não só de encontrar vários produtos em um só lugar, mas também  realizar a troca de conhecimento. (Foto: arquivo pessoal)
Na feirinha das quebradas a periferia tem a oportunidade não só de encontrar vários produtos em um só lugar, mas também  realizar a troca de conhecimento. (Foto: arquivo pessoal)

Periféricos: E quanto à escolha das expositoras? Somente mulheres participam?


Jhully: Não, existem vários trabalhos feitos por homens que também merecem ocupar esses espaços. Sabemos que é difícil para o homem negro empreender, assim como é para as mulheres. A carga sobre as mulheres é maior, mas também há muitos homens que se esforçam. Na Feirinha das Quebradas, tentamos equilibrar. Damos preferência às mulheres, especialmente mulheres negras e mães solo, porque sabemos que é mais difícil para elas alcançarem esses espaços. Mas, quando possível, incluímos homens também. Por exemplo, em uma edição recente, levamos um rapaz que faz bolsas artesanais. A ideia é fazer um balanço, mas sempre com um olhar atento para quem mais precisa de apoio.


Periféricos: Como a Feirinha promove o empoderamento feminino?


Rita: Primeiro, colocando as mulheres à frente. A gente está à frente desse projeto, e muitas vezes somos menosprezadas por sermos mulheres. Há uma desconfiança em relação ao nosso trabalho. Mas o projeto é majoritariamente feito por mulheres, e isso já é um incentivo. Além disso, buscamos conectar as mulheres entre si, criando uma rede de apoio. Valorizamos as expositoras que trabalham com produtos e serviços que empoderam outras mulheres. Por exemplo, temos a Bianca, uma costureira de Socorro. Ela faz um trabalho incrível, focando na autoestima das mulheres. Ela faz consultoria, ajudando cada mulher a encontrar roupas que valorizem seu corpo, independentemente do tamanho ou formato. É sobre se sentir bem consigo mesma. Selecionamos empreendedores que trabalham com essa perspectiva, porque acreditamos que isso fortalece não só as mulheres, mas também a comunidade.


Jhully: O empoderamento feminino vai além de vender produtos. Estar ali, ocupando aquele espaço, já inspira outras mulheres. A forma como lidamos com as pessoas também é importante. Já tive experiências ruins com mulheres brancas em posições de poder, que foram desrespeitosas e racistas. É uma realidade que muitas de nós enfrentamos. Mas, ao ocuparmos esses espaços, mostramos que somos capazes. É o famoso "vocês vão ter que engolir".


Rita: Sim, e muitas vezes as pessoas ainda acham que há um homem por trás do projeto. Mesmo com a nossa cara estampada em tudo, ainda tentam colocar um homem no comando. Isso é frustrante, mas também nos motiva a continuar. Empoderar outras mulheres é compartilhar conhecimento. Por exemplo, dei uma oficina sobre como criar projetos, e uma das participantes me disse que aquilo expandiu suas ideias e a ajudou a concretizar um sonho. É sobre dar ferramentas para que outras pessoas também possam crescer.


As organizadoras da feirinha defendem que compartilhar conhecimento cria oportunidades e fortalece o crescimento coletivo. (Foto: arquivo pessoal)
As organizadoras da feirinha defendem que compartilhar conhecimento cria oportunidades e fortalece o crescimento coletivo. (Foto: arquivo pessoal)

Periféricos: Como acontece o intercâmbio cultural na Feirinha?


Rita: O intercâmbio cultural não se limita a trocas entre países, como muitas pessoas imaginam. Aprendemos que intercâmbio vai além disso. É sobre trocar conhecimentos, mesmo dentro de uma mesma cidade ou estado. Por exemplo, quando alguém de um bairro que eu não conheço, como Japãozinho, traz sua cultura e vivência para a Feirinha no Santa Maria, isso já é um intercâmbio. Cada bairro tem sua própria cultura: no Santa Maria, o pessoal curte arrocha e espetinho; em outros lugares, o estilo pode ser mais "clean". Há bairros onde as crianças ainda brincam na rua e as velhinhas ficam fofocando na porta. Tudo isso é cultura, e o intercâmbio acontece quando essas diferentes realidades se encontram. 


Jhully: Durante as edições da Feirinha, vemos trocas incríveis entre gerações e pessoas de diferentes realidades. Às vezes, a idade é parecida, mas as experiências são totalmente diferentes. Um exemplo que me marcou foi durante o Festival da Juventude. Uma menina da quebrada aprendeu com uma universitária que o trabalho dela também vale R$ 100, mesmo que ela não soubesse disso antes. É sobre valorizar o que cada um traz e facilitar a caminhada do outro. A gente tenta ensinar coisas práticas, que funcionam no dia a dia, porque nem todo mundo tem tempo ou recursos para teorias complexas.


Rita: Eu sempre digo que nenhuma experiência é individual. Cada um vive no seu mundinho, mas em algum ponto, as histórias se cruzam. Pode ser a falta de conhecimento, a falta de informação ou até o medo de compartilhar o que se sabe. Mas quando a gente faz essa troca, tudo se transforma em algo maior. Cada um tem seu jeito, mas a troca é essencial para que todos cresçam juntos.


Periféricos: Qual a importância da economia criativa para a economia periférica?


Jhully: A economia criativa é importante porque mostra do que a gente é capaz. Mesmo vivendo em bairros periféricos, onde muitas vezes só sobrevivemos e não vivemos de fato, temos poder de compra e potencial para gerar renda. Valorizamos quem empreende, como a tiazinha que tem uma mercearia na comunidade. Quando a gente leva uma feirinha de economia criativa para um bairro, mostramos que as pessoas podem ter acesso a produtos e serviços que muitas vezes nem sabiam que existiam. É sobre mostrar que a comunidade pode e deve ter acesso a essas oportunidades. Além do aspecto financeiro, é empoderar as pessoas e mostrar que elas podem sonhar e conquistar. É criar memórias e experiências. Tem uma doceria que participa da Feirinha, a Eita Cabrunco. Os doces são lindos, parecem obras de arte, e todo mundo acha que são super caros. Mas na Feirinha, eles são acessíveis, e as pessoas podem experimentar. É proporcionar acesso a coisas reais, palpáveis, que vão além da TV ou do celular. A gente não está só vendendo produtos; a gente está vendendo experiências e criando memórias.



Por: Tatiane Macena


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