Arte: Janisse Bispo
Dia 25/07 para além de ser "comemorado" o Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha, também é o dia do escritor. Isso me faz pensar em nós e nos nossos e no quanto estamos fora do que chamam de cânone literário. E quem inventou isso? A branquitude.
Não fazer parte do cânone, é sobretudo, não deixar que os que sempre ditaram as regras continuem fazendo isso. Me reconheço enquanto escritora, pois sei quantas vezes estender o pensamento ao papel me salvou, e todas as vezes que coloquei essa escrita "pro mundo", existiu alguém que se identificasse e isso me lembra Conceição Evaristo e o seu conceito de escrevivência.
As dores e delícias de sermos quem somos, perpassa o individual, é coletiva. Também me encontro na Audácia de Carolina de Jesus, todas as vezes em que ouso externar meu pensamento, escrever uma poesia e através da literatura de cunho marginal, expor e também criticar as vivências injustas. Quantas vezes você deixou de escrever por acreditar que seu pensamento não valia?
Tem uma fala da escritora Miriam Alves, que carrego comigo desde que li pela primeira vez: "Quando pensam que estão me ajudando a fazer alguma coisa, estão me colocando numa situação assujeitada. Eu não sou assujeitada, eu sou sujeito. Não quero mais ser objeto. Estou cheia de ter que ficar gritando o tempo todo que sou sujeito, quando tem um caminhão de entulho me empurrando pra ser objeto".
Quero tirar de mim a caixinha normativa que me impede de narrar minha própria história como bem quiser, sem o receio de ser validado por quem nada tem a ver comigo e nada entende da minha vivência. Eles nos ensinaram a falar de nós mesmos como se fossemos outro, na terceira pessoa, eu não sou o outro e eu quero existir na primeira pessoa, com a minha singularidade que coexiste com a pluralidade de ser só e ser nós.
Tudo que em algum momento disse que não sabia fazer, após experimentar, me reconheci boa em tentar, repetir e conseguir, tenho medo mas não me falta coragem, disposição e sagacidade. Isso faz de mim, assim como todas as crianças, autores e artistas pessoas obstinadas, e isso deve ser reconhecido e contemplado.
Deixem que nós contemos, deixem que nós fazemos, tire das minhas costas suas regras, sua normatividade. Minha escrita é marginal porque não faço parte de um cânone, e ter isso em mente, me ajuda a fazer movimento de Sankofa para retomar e disputar narrativas históricas.
Valorização dos nossos, é um ótimo passo para começar e até mesmo recomeçar. Quando buscamos referências parecidas com nosso ser e nossa maneira de funcionar no mundo, nos erguemos de força para existirmos em toda nossa totalidade.
Sobre a autora
Mayara Samanta Bomfim, conhecida como Sabá, tem 23 anos, é Afro-religiosa, poeta/slammer e slammaster, Pedagoga em formação pela Universidade Federal de Sergipe, artista, arte-educadora e produtora cultural, natural de Salvador-BA porém residente em Aracaju-SE desde a infância. Ela atua no Coletivo Slam do Mangue, que nasceu em 2018, no bairro 17 de março, onde foi desafiada a tentar escrever poesia e desde então, não parou mais. Atualmente o coletivo está retomando suas atividades... Se reconhece enquanto poeta marginal e acredita nessa literatura como ferramenta de liberdade de expressão, transformação de trajetórias e autoconhecimento. Foi fazendo a junção do conhecimento empírico e acadêmico, que teve a oportunidade de levar sua arte para dentro das escolas. Atualmente é linha de frente do Projeto “Fora da Caixa”, juntamente com Rafael Leal. O projeto tem como objetivo aproximar a poesia marginal do ambiente escolar e comunidade, para que as pessoas se reconheçam enquanto escritoras e artistas, incentivando a escrita, oralidade e movimentação. Em sua trajetória cada dia mais se reconhece enquanto multiartista.
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